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As pessoas
imaginam o brincar como um passatempo inútil; mas é
um dos caminhos para o prazer da descoberta
Três pesquisas publicadas na semana passada:
1) Excesso de TV e internet na infância aumenta o risco
de vida sexual precoce, abuso do álcool, fumo e drogas,
além da obesidade (Universidade Yale);
2) Crianças que vivem longe de áreas verdes
tendem a engordar mais do que as que moram próximas
de parques ou praças (Escola de Saúde Pública
da Universidade de Washington);
3) Em comparação com meninos e meninas ricas,
crianças pobres demonstraram, em testes com neurocientistas,
menor atividade no córtex pré-frontal -área
do cérebro relevante para a criatividade e solução
de problemas, o que se traduz em limitação,
muitas vezes para sempre, do aprendizado (Instituto de Neurociência
Helen Wills, da Universidade da Califórnia).
As três pesquisas sugerem, entre outras coisas, o dano
físico e psicológico provocado pela escassez
do prosaico ato de brincar, da qual a obesidade é só
o sintoma mais visível.
Ao falar sobre o cérebro das crianças de famílias
de baixa renda, um dos autores do estudo (Thomas Boyce) ressalvou
que o problema não era necessariamente a pobreza, mas
o precário estímulo lúdico no ambiente
em que vivem. Além da falta de livros, poucos visitam
museus e teatros. Para completar, faltariam brincadeiras desde
o berço.
As pessoas, em geral, imaginam o brincar como um passatempo
inútil. Mas é um dos caminhos para o prazer
da descoberta, capaz de estabelecer conexões cerebrais
usadas pelo resto da vida. Mesmo os pais ricos e de classe
média desconsideram essas descobertas científicas.
Basta ver a ansiedade para que seus filhos se alfabetizem
o mais rapidamente possível, aprendam logo uma segunda
língua e comecem a se preparar para o vestibular.
Assim como excesso de comida não significa saúde,
mas doença, excesso de informação não
significa capacidade de lidar criativamente com o conhecimento.
Ficar muitas horas no computador é a versão
intelectual da obesidade.
Podemos medir a qualidade de uma cidade apenas julgando o
espaço dedicado ao direito à brincadeira. Certamente
aqui está uma das razões associadas à
violência.
Na semana passada ocorreu, em São Paulo, um encontro
sobre o futuro das metrópoles, organizado pela London
School of Economics, em que, entre outros assuntos, se discutiu
a segurança. Foi exibido o caso de Medellín,
na Colômbia, que chegou a ser o lugar mais violento
do planeta, com 368 mortes por 100 mil habitantes. Só
para comparar, note que, neste ano, o índice de assassinatos
na cidade de São Paulo gira em torno de 13 por 100
mil habitantes e não nos sentimos seguros.
Além, claro, de ações policiais e de
infra-estrutura, Medellín criou praças, parques
e ciclovias. Abriram-se as escolas nos finais de semana e
se montou uma rede de monumentais bibliotecas que mais parecem
parques de diversão. Tudo isso se converteu no prazer
da convivência e da descoberta que, em essência,
significa brincar.
O índice de assassinatos em Medellín baixou,
neste ano, para 25 por 100 mil.
Não é necessário ir tão longe.
Neste final de semana, o rapper Rappin'Hood se apresenta na
inauguração da praça da Paz, no bairro
Elisa Maria, na zona norte de São Paulo, conhecido
pela rotina das chacinas. Desde o ano passado, como em Medellín,
se implantaram, além de policiamento comunitário
e programas assistenciais, projetos culturais e esportivos.
Construiu-se uma escola, que fica aberta nos finais de semana.
Resultado divulgado na sexta-feira passada, durante seminário
internacional sobre policiamento: em um ano, queda de 68%
dos homicídios.
Esse tipo de resultado é o que me faz prestar atenção
em experiências como a de BH, onde se colocam universitários
em praças e parques para interagir com estudantes de
escolas públicas; em São Paulo, desenha-se um
projeto para que todos os clubes municipais se convertam em
extensão da sala de aula; a cidade inteira de Apucarana,
no Paraná, se converteu numa escola.
Como vivemos na era do conhecimento, as cidades contemporâneas
têm de ser conduzidas mais pelo pelo olhar dos educadores
do que dos arquitetos, engenheiros e urbanistas -e, aliás,
desde o berço. Nada mais importante do que a crescente
convicção, em todos os níveis de governo,
visível nas últimas eleições municipais,
de que um projeto de nação civilizada passa
pela pré-escola, a começar da creche. As descobertas
dos neurocientistas da Universidade da Califórnia,
com as revelações dos movimentos cerebrais,
encerram definitivamente o debate sobre a importância
dessa ação.
PS-Coloquei neste
link o detalhamento das três pesquisas citadas nesta
coluna. Qualquer indivíduo com um mínimo de
responsabilidade pública nunca deveria esquecer dos
efeitos neurológicos sobre a falta de estímulos
na infância. É no córtex pré-frontal
que se perpetua a desigualdade social.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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