A batido com a morte por envenenamento
de 73 de seus animais, o Zoológico de São Paulo
resolveu também se proteger contra furto e recorreu
à tecnologia de monitoramento. Cada animal terá
implantado no corpo um chip conectado a satélites,
a exemplo do que já ocorre com automóveis, recurso
que também é vendido para ser implantado em
seres humanos como proteção a seqüestros.
Por incrível que pareça, não é
exagero dizer que, no caso, as grades passaram a proteger
os animais de homens que deveriam estar enjaulados -e não
os homens dos animais.
O zoológico presta-se como uma extraordinária
metáfora da selvageria humana. Basta ver algumas notícias
publicadas nos últimos sete dias apenas na cidade de
São Paulo.
1) Depois de 65 dias em cativeiro, a mãe e a filha
de três anos foram libertadas, mediante pagamento. Os
seqüestradores enviaram vídeos das duas chorando
desesperadamente diante de armas que lhe eram apontadas.
2) Quadrilhas estão surrupiando até mesmo equipamentos
públicos que medem poluição, vendidos
como sucata; também estão levando bustos para
vender como cobre derretido, além de cabos telefônicos
e trilhos de trem.
3) O secretário da Segurança de São Paulo,
Saulo de Castro Abreu Filho, apresentou estudos mostrando
que o aumento dos roubos estaria intimamente associado ao
desemprego e anunciou, sem meias palavras, que o poder da
polícia chegou ao limite.
4) Thomaz, filho do governador Geraldo Alckmin, passeava de
moto e foi assaltado. Voltou sem a moto para casa. Comparado
ao que já lhe aconteceu, até que não
foi tão grave assim: tempos atrás, tentaram
roubar seu automóvel e um dos seguranças que
o protegiam morreu baleado.
Animais com chips, secretário afirmando que a polícia
está perdendo o controle, seqüestro de mãe
com filha de três anos, filho de governador assaltado:
o que é mais necessário para tomar alguma providência
realmente ampla contra a banalização da violência?
Não vou aqui fazer o papel de ingênuo pregando
rápido crescimento econômico e mais gastos orçamentários.
Isso é um bom começo para não ter começo
nenhum. Mesmo que o crescimento seja veloz e se produzam mais
empregos, o índice de criminalidade continuará
alto. Talvez, quem sabe, não piore.
Muitos estudos mostram, com números, que aumento no
desemprego e queda de renda geram mais criminalidade quando
o tecido social está esgarçado e o indivíduo
perdeu os laços familiares, comunitários, religiosos.
Ou seja, perdeu a perspectiva de inserção na
sociedade.
Vários especialistas alertam que há, porém,
espaço para reduzir os danos, o que exige articulação
e foco nos gastos sociais. E, aqui, não há nenhuma
novidade. Já foram esboçados vários planos
e ficaram engavetados por falta de liderança política.
Evidente que são articulações complexas,
envolvem diferentes atores, mas, fora disso, não há
saída. Estudos recomendam que o país escolha
algumas de suas áreas mais violentas nas regiões
metropolitanas e grandes cidades -e, nessas áreas,
realize um esforço modelar de elevação
do capital social combinado com medidas repressivas.
Isso significa que vários ministérios, secretarias
estaduais, municipais, entidades não-governamentais
e entidades comunitárias executarem conjunta e de forma
coordenada uma ação, centrada em saúde,
segurança, habitação, justiça,
educação e políticas compensatórias
de renda.
Só o presidente da República, liderando diretamente
uma comissão com governadores e prefeitos, seria capaz
de acionar uma rede de tal complexidade. Dizem quase todos
que tal ofensiva é impossível, apesar de a violência
ser um dos principais temas nas campanhas eleitorais.
Nem mesmo projetos federais mais acanhados contra a violência
saíram do papel. Talvez seja mesmo impossível.
Talvez nem exista habilidade gerencial para uma ação
conjunta desse porte nem competência nem vontade política.
Mas, pelo menos, o eleitor deveria saber que não se
pode fazer muito, mas alguma coisa se pode fazer apenas concentrando
esforços e melhorando o gasto público -e só
não é realizado por falta de competência
e/ou de vontade.
É mais fácil conviver com a idéia de
que a cidade mais importante da América Latina tem
de proteger os animais das bestas humanas. Ou com a declaração
de um secretário da Segurança de Estado mais
rico do Brasil de que, diante da crise social, a polícia
já chegou ao seu limite. Não estão protegidos
os bichos do zoológico nem os filhos de quem manda
na polícia.
PS - Os governantes serão cada vez mais julgados pelos
empregos que ajudarem a criar como pelas vidas que puderem
salvar -são os dois grandes indicadores-síntese
nacionais. Mais cedo ou mais tarde, a população
vai acompanhar os índices de criminalidade como acompanhava
os índices de inflação.
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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