O governo
diz que a responsabilidade era só das empreiteiras
-e estas culpam a chuva. Esse tipo de esculhambação
é visto em abundância na história paulistana
O desabamento da estação do metrô de Pinheiros
é parte de uma tragédia ainda maior - o sistemático
desrespeito à cidade de São Paulo. Daí
ser uma metáfora o acidente ter acontecido no mês
do aniversário da cidade, quando deveríamos
estar nos preparando para comemorar seus 453 anos.
Diante da tragédia, assistimos ao governo dizer que
a responsabilidade era apenas das empreiteiras - e as empreiteiras
culparem as chuvas. Esse tipo de esculhambação
é visto em abundância por todos os lados e em
todos os momentos da história paulistana, como se a
cidade fosse só um dormitório. Primeiro, era
dormitório para os bandeirantes que faziam do Tietê
um caminho de busca de riqueza pelo interior do país.
Depois, como parada para o café que ia para Santos.
E, agora, para uma boa parte de nossa elite, que vê
a cidade como um lugar para ganhar dinheiro até chegar
o final de semana e ir para o litoral; enquanto a praia não
chega, vive-se em algo parecido a um castelo medieval ou nos
shopping centers. Nessa lógica das elites da desconexão
com a cidade, colocaram a sede da prefeitura em nosso melhor
parque (após muito tempo voltou ao centro) e a sede
do governo estadual num monstrengo arquitetônico, encravado
na plutocracia.
Neste mês, deveria ser lançado o Fura-Fila,
que gastou muito mais do que se imaginava e, mesmo assim,
está pronto em parte - a abertura foi adiada de novo.
A gestão passada, na prefeitura, deixou uma galeria
de obras inacabadas e feitas às pressas. Ainda hoje
se fala do superfaturamento de viadutos e avenidas de vários
prefeitos, destinados a facilitar a vida de quem usa automóvel.
Foram construídas centenas de clubes e parques municipais,
a maioria abandonada ou com pouco uso. A maioria das escolas
municipais tem três turnos diurnos, com tempo de aula
inferior à média de permanência de um
motel - mesmo assim ergueram-se escolas (os CEUs) para poucos.
Vimos, sem reação, os carros acabarem com as
calçadas, espremendo o pedestre; isso quando havia
calçadas.
Na crônica da mistura de falta de visão de longo
prazo com desrespeito, os políticos da cidade não
quiseram, no início do século passado, construir
o metrô, a exemplo do que se fazia em Nova York. Preferiam
abrir espaço para carros, ajudando a deixar os operários
mais longe do seu trabalho e a formar as periferias. Tiraram
o bonde e deixaram os automóveis ocupar, sem restrição,
seus trilhos.
Quando se começou a falar nas marginais, urbanistas
e paisagistas alertaram que a deveríamos aproveitar
e dali fazer um imenso parque. Além de gerar lazer
e civilidade, não impermeabilizaria tanto o local e
ajudaria a evitar enchente. Perdemos a chance de ter o maior
parque urbano do mundo. Nesse ambiente, políticos fazerem
de São Paulo trampolim para pretensões maiores
é causa e conseqüência - assim como é
a tragédia do metrô.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|