Não se consegue analisar a vantagem
de Lula na disputa presidencial, detectada hoje, na pesquisa
do Datafolha, sem, além de considerar os aspectos políticos
e econômicos, deixar de olhar a questão educacional. É algo
bem mais complexo do que a conhecida inabilidade de grande
parcela dos cidadãos de entender as notícias.
A vantagem está ligada a fatores como a manutenção da inflação
baixa, a ampliação dos programas sociais, o anúncio do novo
salário mínimo e a expansão do nível de emprego. Está diminuindo
a miséria e melhorando a distribuição de renda. Os adversários
do governo podem reclamar que o Brasil cresce lentamente,
abaixo de muitas nações, mas é inegável que os indicadores
sociais evoluem.
Acrescente-se a isso que Lula não sai do palanque, transforma
cada inauguração em comício e esbanja dinheiro em publicidade.
Facilitou-lhe a vida o fato de que a oposição apenas apresentou
oficialmente, na semana passada, um candidato, com a escolha
de Geraldo Alckmin.
Apesar disso tudo, o presidente não teria recuperado tão
rapidamente o seu prestígio -lembre-se de que até há pouco
tempo afirmavam que ele estava politicamente morto- se não
tivessem esquecido ou se desinteressado dos escândalos que
envolvem o governo e o PT. De acordo com pesquisas divulgadas
na semana passada, apenas 15% dos eleitores se lembram do
"mensalão" -exatamente aqui está a questão educacional.
Num dos efeitos da baixa educação para a cidadania, o presidente
é beneficiado pela suposição de grande parcela da população
de que todos os políticos são iguais. Agregue-se a isso que,
em meio a tantas informações, tão dispersas e transmitidas
durante tanto tempo, já não se sabe direito quem são os personagens
e qual é o enredo da crise. Para complicar, vivemos numa nação
em que uma imensa quantidade dos indivíduos padece de analfabetismo
funcional, ou seja, consegue até ler, mas não entende. Estatísticas
indicam que, no mínimo, pelo menos um terço dos eleitores
se enquadram na categoria dos analfabetos funcionais. O problema,
porém, vai muito além da baixa escolaridade e mesmo da pobreza:
atinge também os mais ricos. Educadores, psicólogos e psicopedagogos
percebem, há tempos, a resistência das pessoas, especialmente
as mais jovens, de se concentrar, metidas num ritmo hiperativo
em que se olha tudo e nada ao mesmo tempo. O tempo real, a
marca da internet, relativiza o passado e o futuro, dragando
a atenção para o presente, o "aqui e agora".
Um dos resultados da hiperatividade da chamada sociedade
do conhecimento, impulsionada pelas novas tecnologias de informação,
é a dispersão e, assim, a capacidade de seleção.
Crianças e adolescentes americanos passam em média 8 horas
e 33 minutos conectados diariamente aos meios de comunicação;
cresce ano a ano o tempo despendido com as mais diferentes
mídias. Cada vez mais, eles ouvem, vêem ou lêem várias mídias
ao mesmo tempo: escutam música, trocam mensagens pela internet
enquanto assistem à televisão. Apesar de tanto acesso aos
meios de comunicação, não pára de cair o interesse dos jovens
americanos por economia, política ou temas internacionais
veiculados pelos noticiários de jornal, TV, rádio ou internet.
Não mais do que 6% deles teriam interesse pelos noticiários
jornalísticos. Essas informações fazem parte de diferentes
e recentes pesquisas da Kaiser Family Foundation sobre a relação
entre crianças, adolescentes e jovens com a mídia dos Estados
Unidos. No Brasil, levantamentos feitos pela Abril e pela
MTV constataram jovens confusos, bombardeados por informações,
demandando auxílio para selecionar o que é relevante. Tal
sensação também vai contaminando os adultos
A primeira conclusão é que excesso de informação não significa
mais conhecimento, assim como excesso de comida não significa
mais saúde. A segunda: os veículos de comunicação terão cada
vez mais de desempenhar o papel de educadores, ajudando das
mais diversas formas (presenciais e virtuais) os seus leitores,
espectadores e ouvintes a selecionar os fatos. Não basta mais
apenas transmitir a notícia com clareza e objetividade; será
necessário fazer com que a informação seja entronizada no
cotidiano, tornando-a útil. Ou, então, teremos de conviver
com a idéia de que ninguém se lembra mais, por exemplo, de
um "mensalão" que está no noticiário há meses -o que, se revela
as falhas da política e a indigência educacional, também coloca
em questão a eficácia dos jornalistas.
P.S- Por falar em comunicação. Ao se lançar candidato, José
Serra rasgou seu compromisso de terminar o mandato, perdeu
e, ainda por cima, transmitiu a sensação de que só está na
prefeitura por falta de coisa melhor para fazer. Por essas
e outras, muitos de seus assessores defendem que, uma vez
feito o estrago, ele deveria tentar o governo estadual e aguardar,
em melhor posição, a próxima sucessão presidencial. Imaginam
que os números das pesquisas irão acabar por convencê-lo a
disputar o Palácio dos Bandeirantes. Já existe até um discurso
preparado: o de que o governador é tão importante como o prefeito
para uma cidade. Até sexta-feira, quando fechei a coluna,
os sinais eram de que Serra ainda resistia, mas resistia cada
vez menos a essa hipótese. Afinal, ele vai ter o que não teve
na disputa presidencial: o apelo unânime do PSDB.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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