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Quando
o aprendizado das matérias se mescla com atividades
lúdicas, os resultados aparecem
Escrevi netse espaço, em dezembro passado, sobre um
movimento liderado por um grupo de alunos e professores para
evitar o fechamento de uma escola pública (Carlos Maximiliano,
conhecida como Max) localizada a duas quadras da rua em que
moro, na Vila Madalena -o que significa que está no
trajeto das minhas caminhas diárias e eu podia assistir
àquela experiência como se estivesse dentro de
um laboratório.
Na quinta-feira passada, esse laboratório produziu
uma das minhas melhores lições de educação,
graças à combinação de uma boa
e de uma péssima notícia.
Comecemos pela boa notícia: as classes do ensino fundamental
conseguiram superar, com muita folga, a meta fixada pelo Idesp
(Índice de Desenvolvimento da Educação
do Estado de São Paulo). A nota ainda está longe,
muito longe, do ideal, mas é uma vitória e tanto
para quem estava desenganado, com data marcada para fechar
as portas no final de 2007; muitas salas já estavam
vazias e o auditório se transformou em arquivo morto.
Vamos, então, à notícia ruim: as classes
do ensino médio, ao contrário, não só
não alcançaram a meta como tiveram um retrocesso
em 50% em relação ao ano anterior. Como é
possível uma reação tão diferente
dentro de um mesmo espaço? Entender essa disparidade
significa entender os ingredientes que fazem avançar
ou retroceder o aprendizado.
Na busca de apoio para evitar a morte anunciada, o grupo
de professores e alunos conseguiu parcerias no bairro para
oferecer as mais diversas oficinas durante o período
da tarde -português, matemática, dança,
comunicação, cinema, literatura, artes plásticas,
música... Só as classes do ensino fundamental
foram beneficiadas, pois os alunos estudam em tempo integral
e tinham disponibilidade do contraturno.
Já o ensino médio tem o horário normal
e, nessa primeira fase, não recebeu nenhum apoio especial;
o apoio será iniciado neste ano, com a entrada do Instituto
Unibanco, que desenvolve um plano de gestão de metas
para colégios públicos de ensino médio.
Resultado: o retrocesso na nota. Foi a segunda maior queda
entre todas as escolas de ensino médio da cidade de
São Paulo.
Aqui entra a primeira lição, comprovada em estudos
e mais estudos, muitos deles feitos por economistas -o aumento
da jornada escolar (desde que de qualidade) é um dos
fatores que mais ajudam os alunos.
Maior jornada não significa, a rigor, nada. No último
lugar do Idesp, na cidade de São Paulo, está
a Amadeu Amaral, de tempo integral, na zona leste, onde, em
2008, teve a rebelião dos alunos que acabou em destruição
das instalações. Depende, óbvio, do que
se faz com o tempo.
A segunda lição: quando o aprendizado de matérias
como português e matemática se mescla com atividades
lúdicas, os resultados aparecem.
Fica bem mais fácil tentar recuperar a defasagem em
português e matemática. No Max, as aulas são
dadas por músicos, atores, comunicadores, artistas
plásticos, dançarinos, DJs, designers, cineastas.
Ou até por outros estudantes. O tradicional Colégio
Santa Cruz enviou 20 de seus melhores alunos para serem professores
-um deles decidiu dar aula de filosofia com letras de rap.
Cria-se a combinação mágica de cultura
com educação, na qual o aluno não é
só um espectador, mas um ator.
Não consigo enxergar futuro em aulas expositivas, descoladas
do cotidiano, para uma geração que, movida pelos
meios de comunicação, está cada vez mais
hiperativa e interativa.
Terceira lição: quanto mais uma comunidade
se envolve com suas escolas e desenvolve um sistema de corresponsabilidade,
mais o aluno valoriza o ensino. E, claro, mais pressão
ocorre pela qualidade, combatendo-se o absenteísmo
e a rotatividade dos professores. Desaparece o efeito destrutivo
da escola-motel. A violência e a indisciplina são
enfrentadas com menos dificuldade. Mais grave para o professor
do que o baixo salário é a violência cotidiana.
Invariavelmente, as escolas com melhor colocação
na lista do Idesp exibem, em menor ou maior grau, as três
lições. Algumas delas conseguem fazer milagres
-nesse caso, todas são comandadas por diretores com
habilidade de gestão e carisma comunitário.
A tradução das três lições
é simples: não existe segredo para melhorar
a educação pública. A boa notícia
é que, a partir de agora, aqueles que seguirem essas
lições serão recompensados com mais dinheiro
no bolso. Afinal, o Idesp é a base para o pagamento
de um bônus -o que considero uma das medidas educacionais
mais ousadas dos últimos tempos.
No caso do Max, um professor do ensino fundamental, por ter
ultrapassado 20%, pode ganhar uma recompensa no valor de até
2,9 salários. Seus colegas do médio, onde ocorreu
um retrocesso, terão de esperar por uma melhor chance
no próximo ano -mas já sabem como chegar lá.
Melhor do que o dinheiro, porém, é o reconhecimento
público.
PS - Vale a pena acompanhar uma experiência na zona
leste com dez escolas estaduais. Estão criando ali
a figura chamada de "coordenador de pais". É
alguém da própria comunidade contratado para
aproximar as famílias dos colégios, ajudando-as
a educar os filhos. Será uma espécie de professor
comunitário. Em Praia Grande, há uma experiência
semelhante: caíram abruptamente a evasão e as
faltas. Em Belo Horizonte, além das notas, até
a saúde das crianças melhorou.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
caderno Cotidiano.
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