Com os
filhos encaminhados, o motorista de táxi agora se prepara
para estudar música pelo resto da sua vida
Carlos Roberto Caetano, mais conhecido
como Carlinhos, acredita ser diferente dos 35 mil taxistas
da cidade de São Paulo. Imagina-se o único motorista
de táxi a ouvir, sem parar, música erudita no
rádio de seu carro. "Só desligo ou mudo
de estação se o passageiro pedir, o que é
raro. Geralmente, recebo elogios pelo meu gosto." Por
trás dessa singularidade, existe a história
de uma frustração.
Desde menino, Carlinhos tinha o projeto de ser músico.
Suas apresentações limitavam-se à pequena
orquestra de seu templo, onde aprendeu a tocar saxofone. Por
falta de recursos, não conseguiu ir além da
8ª série de uma escola pública. Mais tarde,
virou motorista de táxi, com uma meta: todos os seus
filhos fariam faculdade.
Mas a vida iria lhe fazer uma surpresa dentro de sua própria
casa -uma surpresa musical que, na sua visão religiosa,
teria o desígnio divino.
Com seu ponto na frente do fórum de Pinheiros, Carlinhos
já conseguiu que, dos seus quatro filhos, dois começassem
a cursar faculdade; os outros dois estão no ensino
médio. "Mas vão entrar", orgulha-se.
Para atingir seus objetivos, ele vem trabalhando duro para
pagar as mensalidades de escolas privadas. "Fui obrigado
a cortar o lazer." Seu prazer pela música ficou
restrito ao rádio e às apresentações
semanais no templo.
Um dia, porém, foi à Sala São Paulo para
ver um concerto com músicas de Bach e Beethoven. "Não
vou exagerar, eu me senti chegando ao paraíso."
Não se deu mais ao direito de repetir a extravagância.
Até então, estava acostumado à acústica
tumultuada do templo evangélico, com seus músicos
quase todos amadores.
Ocorre que todos os seus quatro filhos foram demonstrando
não só prazer mas também habilidade musical.
Dois aprenderam a tocar órgão e os outros dois,
violino e flauta.
Apenas a mulher não se sentia apta a tocar nenhum instrumento.
Acabaram criando, dentro de casa, um conjunto, cuja plateia
é o templo.
Mas, agora, Carlinhos vai ter o que considera sua recompensa
pelo esforço dos últimos anos.
Com os filhos encaminhados, ele se prepara para estudar música
pelo resto de sua vida. Sua mulher também está
decidida a aprender algum instrumento. "Aí toda
a família estará unida na partitura."
Até lá, a música erudita não
lhe faz bem, no táxi, apenas ao espírito, mas
também ao bolso -o hábito ajudou-o a fidelizar
uma clientela.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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