Aprendemos
a usar o telefone celular e a internet para ganharmos voz
na sociedade, diz Ronaldo
Para o motoboy Ronaldo Simão
da Costa, 35, a função menos importante de seu
celular é receber mensagens para fazer suas entregas
-aliás, a função menos importante de
sua moto é fazer entregas. "Nem sei se o que faço
tem nome." Não tem.
Ele se converteu num misto de motoboy, comunicador, jornalista
e ativista da era digital. A mistura é o suficiente
para transformá-lo em um dos personagens do Campus
Party, o gigantesco encontro de internautas que começa
a partir do próximo domingo, em São Paulo.
Ronaldo integra uma comunidade virtual com prostitutas, ciganos,
meninos de rua e portadores de deficiência, espalhados
pela América Latina e Europa. O que há em comum
entre eles: "Aprendemos a usar o telefone celular e a
internet para ganharmos voz na sociedade".
A história começa quando o artista plástico
espanhol Antoni Abad, em visita a São Paulo, se espanta
com o movimento frenético de motoboys pela cidade.
Soube então da tragédia cotidiana dessa tribo
urbana, marcada pelos acidentes diários.
Como já vinha experimentando projetos de internet que
iam das prostitutas de Madri e dos taxistas na Cidade do México,
passando por ciganos e deficientes físicos, reuniu
um grupo de motoboys brasileiros.
Com seus contatos na Espanha -a Telefonica, por exemplo-,
Abad treinou o grupo de motoboys a registrar cenas no celular
e, em tempo real, divulgá-las numa página da
internet.
"Para nós, era o jeito de contar todos os dias
o que sentimos e vemos", conta Ronaldo, que, antes de
ser motoboy, sobrevivia de um bico em uma oficina mecânica
consertando motos.
Entre os flagrantes de Ronaldo está o de um homem que
queria se jogar de um viaduto e foi contido -sem contar inúmeros
acidentes que documentou e publicou no site.
A experiência, iniciada em 2007, deveria durar poucos
meses e terminaria depois da exposição das fotos
-a exposição ocorreu no Centro Cultural São
Paulo.
Mas o grupo quis continuar com o que eles batizaram de "Canal
Motoboy" para fazer campanhas pela qualidade de vida
da categoria. Uma das campanhas, além das voltadas
à segurança, é ensinar a não jogar
o óleo das motos no esgoto.
Para fazer a gestão da página, chamaram para
ajudar Elieser Muniz, um ex-estudante de filosofia da USP
e ex-motoboy. "Estou usando meus conhecimentos em ética
e estética", orgulha-se Elieser.
Apesar da falta de recursos e da baixa escolaridade, os integrantes
do Canal do Motoboy aprenderam a lidar com as novidades da
internet e dos celulares. Essa paixão faz com que eles
se sintam em condições de igualdade no Campus
Party, que, durante uma semana, recebe internautas obcecados
por tecnologia -um dos que estarão lá, por sinal,
é Tim Berners-Lee, o criador da web.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.
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