A diminuição
da violência, uma das preocupações do
brasileiro, é uma importante mudança de realidade
social
Está em andamento uma contagem regressiva para saber
se, até o dia 31 deste mês, São Paulo
vai conseguir tirar o assassinato da condição
de epidemia, segundo os critérios da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
É quase nada o que falta, daí que talvez possa
ser atingida a meta nos próximos dias.
Para a violência não ser chamada de epidêmica,
o limite tolerado é de 10 assassinatos por 100 mil
habitantes. São Paulo tem, neste momento, 10,06 (a
capital 11,26), uma tendência iniciada em 1999. Só
neste ano, em comparação a 2007, a redução
na cidade de São Paulo foi de 20,6%, o dobro da queda
estadual.
Por esse ritmo, o Estado e a capital terão, nos próximos
meses, uma taxa de homicídios de apenas um dígito.
A tradução disso é que, mesmo nas ingovernáveis
regiões metropolitanas, se conseguirá reduzir
com certa rapidez a violência -e sem mudar muito as
condições socioeconômicas.
É uma das mais importantes mudanças de nossa
realidade social, levando em conta que a violência está
sempre entre as três principais preocupações
dos brasileiros; está, aliás, acima do desemprego.
Como se viu nas notícias e nos comentários
durante a comemoração, na quarta-feira passada,
dos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos,
a polícia ainda é acusada de arbitrariedades.
O desrespeito aos direitos é um dos reflexos do desejo
da população de passar por cima da lei em nome
da segurança. Uma pesquisa da Secretaria dos Direitos
Humanos da Presidência, divulgada na quinta-feira, indicou
que 43% dos brasileiros concordam, em diferentes graus, com
a frase "bandido bom é bandido morto".
Seria uma tolice negar as arbitrariedades, mas é uma
simplificação grosseira reduzir os números
de São Paulo à barbárie policial -a campanha
contra o desarmamento começou na sociedade civil. A
inevitável saída da condição de
epidemia é o resultado de um complexo arranjo das mais
diferentes forças dentro e fora dos governos.
Um exemplo desse arranjo ocorreu na sexta-feira passada.
O comando da Polícia Militar estava reunido com as
mais diversas lideranças da cidade, entre as quais
lideranças empresariais, além dos principais
secretários estaduais e municipais ligados a questões
sociais.
Discutiu-se a plataforma desenhada pelo Unicef, com execução
do Sou da Paz, para criar, nas comunidades, redes de proteção
para crianças e adolescentes. O projeto estabelece
metas de médio e longo prazo, assinadas em documento
pelo prefeito.
Esse tipo de encontro é apenas a tradução
de algo fácil de falar e difícil de fazer: a
melhor segurança é a preventiva. E começa
na prevenção da violência dentro de casa,
buscando aliados nas famílias e nas escolas.
Se a cidade de São Paulo conseguiu um feito e tanto
reduzindo, neste ano, sua taxa de assassinato em 20%, imagine
então a importância do que aconteceu na zona
norte da cidade (Brasilândia), onde moram aproximadamente
300 mil pessoas. Vamos ao número: redução
de 63% dos homicídios.
A operação começou no Jardim Elisa Maria,
famoso pelas chacinas em série, estendendo-se para
outros bairros. Foram realizadas 53 ações de
várias secretarias; não havia registro, até
então, de tantas e tão diferentes entidades
públicas trabalhando com foco num único bairro.
Construíram-se praças, uma escola, uma base
de policiamento comunitário -a PM oferece, por exemplo,
um programa de esportes. Um dos moradores montou uma escolinha
de futebol. A segurança é discutida num comitê
com moradores.
O que se vê na segurança traz algum alento para
uma calamidade anunciada, mais uma vez, na semana passada
-os avanços em São Paulo ainda estão
muito distantes de uma meta aceitável. Saiu a análise
do movimento Todos pela Educação, liderado por
empresários, sobre o ensino público, a partir
de objetivos traçados há dois anos. A novidade
não é o fato de que os jovens se formam no ensino
médio sem ler direito, mas que existem metas que são
acompanhadas e cobradas pela sociedade. Entre as boas novidades
que temos no país estão empresários falando
em educação pública -até mais
do que sindicalistas, cujos filhos estão numa escola
municipal ou estadual.
Estamos repletos de más notícias -e sabemos
que vão piorar. Quem sabe até a crise econômica,
aumentando em algum nível a exclusão, torne
ainda mais difícil melhorar a segurança. Não
podemos nos sentir seguros: caíram as mortes, mas continua
gigantesca a incidência de roubos e furtos. Mas o fim
de um rótulo de epidemia, mesmo que demore mais alguns
meses, merece um brinde de final de ano.
p.s.: outro motivo de comemoração (e tem tudo
a ver com a criação de metas e redes de responsabilidade)
foi a aprovação, na semana passada, na Assembléia
Legislativa de São Paulo, de um bônus aos servidores
das escolas condicionado ao desempenho dos alunos. É,
de longe, a maior inovação administrativa de
José Serra.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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