Operava-se
ali uma aula prática de capital social, a riqueza que vem
da capacidade de os indivíduos se mobilizarem
Aos 52 anos , tornei-me por acaso aluno de uma escola
pública. A história começa no segundo
semestre de 2007, quando um grupo de alunos, pais e professores,
inconformados com o anúncio do fechamento de sua escola
de ensino fundamental e médio (Carlos Maximiliano,
mais conhecida por Max) decidiu procurar ajuda, mas com pouca
esperança: debandada de alunos, alta rotatividade de
professores e coordenadores -a diretora tinha marcado sua
aposentadoria, em meio à indisciplina- e até
cenas de violência de alguns estudantes.
A desolação era visível nas salas vazias
(dois andares desocupados), nas paredes sujas, nos vidros
quebrados, nos muros pichados. O antigo auditório estava
trancado, transformado em arquivo morto. Um caso aparentemente
perdido virou a minha melhor lição de 2008.
Aquele grupo que ainda resistia saiu batendo de porta em
porta e construiu, aos poucos, uma corrente de apoio. Cada
parceiro buscava um novo parceiro. A primeira conquista foi
ganhar tempo: postergou-se o fechamento em acerto com a Secretaria
Estadual da Educação.
A escola técnica Guaracy Silveira, uma das mais bem
avaliadas de São Paulo, ocupou um daqueles andares
vazios e deu cursos de webdesign e administração
de pequenos negócios. O Colégio Santa Cruz ofereceu
20 de seus alunos para dar aula em contraturno, auxiliando
os professores; o grupo COC criou oficinas de aprendizagem
de português e matemática, para tentar reduzir
o atraso crônico de uma parcela de estudantes nessas
matérias.
O auditório foi reformado e se converteu num centro
cultural, aberto à comunidade; nesse lugar, a Fundação
Vanzolini, ligada à Poli, criou um curso de engenharia
comunitária. Os próprios alunos pintaram, com
cores fortes, as paredes do Max, fixando peças produzidas
com a ajuda de uma artista plástica.
Podia assistir a tudo isso em câmara lenta porque o
Max fica a três quadras da minha casa, passagem obrigatória
de minhas caminhadas pela Vila Madalena. Operava-se ali uma
aula prática do que significa capital social, a riqueza
que vem da capacidade de os indivíduos se mobilizarem.
Apesar de o Max ser uma escola estadual, a prefeitura entrou
com oficinas de artes dramáticas e dança. Criado
para estudar a cultura popular paulistana, o Kolombolo passou
a dar aulas de samba. O Círculo de Leitura, do Instituto
Fernand Braudel, trabalhou literatura clássica. O governo
estadual ofereceu ensino de música (Projeto Guri).
Tirando proveito da vocação artística
do bairro, entraram na roda comunicadora, artistas plásticos,
estilistas. Um fotógrafo ainda adolescente (Victor
Dragonetti) dedicou várias semanas para flagrar imagens
de alunos encantados com o saber -e assim tentar mudar a imagem
que eles têm si próprios. Com ajuda de cineastas
da empresa NaLaje Filmes, foi produzido um filme em que os
estudantes fazem o roteiro, a edição e preparam
os atores.
Na frente do Max, há vários consultórios
de psicólogos e psicanalistas que se dispuseram a trabalhar
com intermediação de conflitos.
Dessa união surgiu um espaço que mistura ensino
técnico, um centro cultural, oficinas de artes e comunicação,
combinadas com o ensino regular.
O que vai sair dessa mistura não se sabe. No próximo
ano, serão divulgados os resultados das provas aplicadas
pelos governos estadual e federal -e aí se poderá
ter o primeiro sinal de avanço nas matérias
tradicionais. O fato é que se costurou uma aliança
envolvendo os diferentes níveis de poder, a começar
pela comunidade. Justamente por isso, a Fundação
Vanzolini escolheu ali para montar seu projeto experimental.
Continuam vários problemas, claro. Mas já se
sabe que, neste ano, a escola não fechou, até
porque existe fila de espera; os professores não querem
sair e a diretora aposentou seus projetos de aposentadoria.
A lição de engenharia comunitária é
o que se consegue, mesmo com pouco dinheiro, quando se faz
do outro não um problema, mas uma solução.
PS - Coloquei neste
link as fotos tiradas por Victor Dragonetti, que procurou
descobrir o encanto do aprender. Está lá também
o filme realizado com o apoio do NaLaje, que gira em torno
de um cobiçado biscoito da merenda.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.
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