Melhorar
a educação é tão complexo e tão
urgente que pode ser comparado à abolição
da escravidão
No começo do ano, eu estava
presente numa conversa em que Roger Agnelli lamentava a dificuldade
que a Vale, da qual é diretor-presidente, vinha tendo
para contratar profissionais e que corria o risco de suspender
investimentos. Uma das soluções seria abrir
negócios em outros países, onde haveria maior
oferta de trabalhadores qualificados. Sugeria que o governo
estimulasse urgentemente cursos técnicos e comentava
que talvez tivesse de importar profissionais.
Naqueles primeiros dias do ano, o maior símbolo do
crescimento econômico era o salário de mestres-de-obras
mais experientes, que, em certos casos, superava o de engenheiros
-falava-se em salários acima de R$ 10 mil. Empresas
caçavam aposentados, e os alunos recém-formados
em engenharia viam-se cercados de diversas propostas.
Agora, Agnelli lamenta ter virado, na semana passada, centro
de um tiroteio, ao propor "medidas de exceção"
para flexibilizar a legislação trabalhista e
evitar demissões. Nessa brutal oscilação
de lamentos -da preocupação com a falta de trabalhadores
a anúncios de demissões- está um dos
piores efeitos.
Saiu de foco algo que, pela primeira vez em nossa história,
tinha entrando em foco: o consenso de que o desenvolvimento
da nação dependia da formação
técnica dos trabalhadores, o que exigiria uma profunda
mudança no ensino público.
O consenso que se montou perde o extraordinário impulso
que recebeu especialmente neste ano.
Na semana passada, ocorreu, no Ministério
da Educação, um encontro de especialistas para
discutir o ensino médio, uma das maiores bombas sociais
brasileiras. Era quase unânime que o que se ensina está
desconectado do mercado de trabalho e serve essencialmente
como um ritual de passagem para a faculdade. O que se pretende
é mesclar ao máximo a escola regular com cursos
profissionalizantes.
Esse tipo de discussão é permeado por números,
mostrando que um aluno formado num curso profissionalizante
está praticamente empregado. Em alguns casos, há
mais empregos do que candidatos.
Lula alardeou a expansão do ensino técnico
como uma das suas principais bandeiras sociais do fim de sua
gestão. Isso porque, entre outras coisas, ele quer
ir além do Bolsa Família e mostrar as tais portas
de saída. Um dos pontos interessantes em sua gestão
social, neste ano, foi ter induzido o chamado Sistema S (Senac
e Senai) a abrir mais vagas gratuitas para alunos da rede
pública. Um dos prováveis adversários
do PT na próxima sucessão presidencial, José
Serra, também faz do curso técnico sua mais
importante bandeira educacional. Gilberto Kassab se elegeu
prometendo colocar cursos técnicos nos CEUs, proposta
que Marta Suplicy garantia ter sido tirada de seu programa.
O governo do Ceará apresenta como uma de suas propostas
sociais mais ousadas a transformação de suas
escolas em centros profissionalizantes, ou seja, em portas
de entrada para o mercado de trabalho. Em Minas, Aécio
Neves implanta sistemas de mérito que visam também
chegar dentro de sala de aula.
Com os recordes de contratação, o clima esteve
mais propício às campanhas para que as empresas
admitissem mais jovens pela lei da aprendizagem. Nunca tantos
empresários, atentos à baixa qualificação
de seus empregados, falaram com tal ênfase em educação
pública e até assumiram a dianteira para a construção
de uma nova agenda educacional.
Esse envolvimento tem estimulado que, em SP, dezenas de empresários
assumam escolas públicas no movimento chamado "Parceiros
da Educação" -está aí, aliás,
uma das bases de apoio para que o governo estadual tivesse
mais respaldo para aprovar, na semana passada, bônus
de mérito para professores. Deve-se a empresários
o fato de que, em PE, prosperem escolas estaduais geridas
em parceria com a comunidade e regidas por metas além
do reconhecimento por mérito.
A tarefa de melhoria da educação é tão
complexa e tão urgente para a nossa civilidade que
pode ser comparada à abolição da escravidão.
A crise econômica altera as prioridades -muitos empresários,
compreensivelmente, vão ter de olhar, por um bom tempo,
mais para dentro de seus negócios. É uma alteração
que toma conta de toda a sociedade, a começar do governo,
obrigado a cortar gastos e prestar atenção na
questão emergencial do emprego. Na semana passada,
o Ministério da Educação figurava na
lista das vítimas de cortes.
Nada disso significa, obviamente, que seja esquecida a questão
educacional. Mas apenas que, com a crise, uma série
de ações vai ter muito menos velocidade e, a
julgar pelo tamanho do problema, já não era
muito veloz. Por isso, o pior da crise não é
o desemprego, por mais doloroso que seja, mas a perda de espaço
da educação na agenda brasileira.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.
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