O senso
de coletividade foi um dos ingredientes que fizeram a falida
Nova York retornar a sua exuberância
Morador de Higienópolis há 40 anos, Norman
Gall foi criado em South Bronx, em Nova York. O sossegado
bairro de imigrantes europeus se transformou, na década
de 1970, no símbolo da degradação urbana
dos Estados Unidos -com guerras de gangues e incêndios
criminosos, era o cenário de muitos dos filmes sobre
violência nova-iorquina. Mas, hoje, é um daqueles
laboratórios de soluções urbanas, admirados
mundialmente. Norman voltou recentemente para a escola pública
em que estudou e se admirou com as inovações.
Não apenas escreveu um livro sobre o que viu, mas estabeleceu
uma ponte para que a experiência pudesse, neste ano,
ser testada em colégios estaduais na zona leste de
São Paulo e daí, quem sabe, ser replicada.
Como estou neste momento em Nova York, escolhi essa combinação
da zona leste com South Bronx para dizer o seguinte: Gilberto
Kassab encontra São Paulo, em seu segundo mandato,
numa situação inusitada. Provavelmente, ninguém
assumiu a prefeitura paulistana numa situação
tão favorável, apesar da crise econômica
e dos cortes de verbas.
Indivíduos como Norman Gall revelam uma cidade com
um crescente senso de coletividade -no qual não se
esperam soluções apenas do governo- e foi esse
um dos ingredientes que fez a falida Nova York retornar para
a sua exuberância. Em São Paulo, há dezenas
de instituições e empresários que vêm
assumindo projetos sociais e escolas públicas. Um dos
mais famosos publicitários brasileiros, Nizan Guanaes
me disse que vai usar seus recursos e contatos para criar,
na periferia, uma escola de referência nacional. É
o que pretende a Faap ao adotar uma escola na zona oeste.
Batem recordes as captações de recursos para
programas de proteção à infância
e à adolescência. Boa parte da elite paulistana
se aglutinou no movimento Nossa São Paulo, criando
metas para toda a cidade.
O fato de a violência na cidade cair ininterruptamente
desde 1999 e praticamente tirar do assassinato o rótulo
de epidemia se explica, em parte, pela ação
da sociedade, onde nasceu a campanha pelo desarmamento. Movimentos
pela paz se disseminaram em regiões como Jd. Ângela,
Paraisópolis e Heliópolis. São Paulo
tem a vantagem de viver uma desconhecida harmonia entre um
prefeito e um governador, cujos principais investimentos nos
próximos anos serão na região metropolitana,
entre os quais metrô, Rodoanel e escolas técnicas.
Essa será uma das vitrines de José Serra.
Essa parceria favorece acertos nas mais diferentes áreas,
como cultura e educação, que se concentram em
espaços municipais. Embora em menor escala, a cidade
vem conseguindo que os três poderes (federal, estadual
e municipal) trabalhem juntos, como em Heliópolis,
onde se desenvolveu o conceito de bairro educador, previsto
para ser disseminado pela prefeitura.
Além do aumento do sentimento de coletividade e da
parceria com o governo estadual, São Paulo terá
políticas razoavelmente ininterruptas por dois mandatos;
afinal, Kassab ficará (isso se cumprir sua promessa)
por quase oito anos no cargo.
Ele está com prestígio em alta, não terá
um ano para se adaptar à maquina da prefeitura -e não
perderá um ano no final de seu mandato, metido numa
eleição. É bastante tempo para que ele
revitalize a região da Luz, conhecida como cracolândia,
a nossa versão do South Bronx, implante as escolas
em tempo integral, espalhe centros culturais e saúde
pela periferia, e transforme favelas em bairros.
Quando substituiu Serra, Kassab foi beneficiado pela baixa
expectativa, não se esperava muito dele. Não
é o caso agora. Com tantas condições
favoráveis, ele é obrigado a ter um desempenho
ainda melhor do que em seu primeiro mandato -diga-se que não
é um bom começo o debate em torno do aumento
das secretarias para acomodar aliados, num ano de crise em
que ocorrerão cortes no Orçamento.
PS -Um dos fatos que mais marcaram meu aprendizado sobre
engenharia comunitária foi ter sido apresentado ao
South Bronx por ex-chefes de gangues, que se converteram em
reformadores de casas abandonadas. O combate à barbárie
rumou das ruas para dentro das escolas, gerando resultados
extraordinários, devido a uma série de ousadias.
Aqui, ouvi a frase que sempre quis ouvir de um governante
brasileiro. O prefeito Michael Bloomberg pediu aos eleitores
que o julgassem por um critério: "Quero ser avaliado
pelo desempenho dos meus alunos". Cada vez que volto
aqui, vejo que ele está vencendo, a tal ponto que algumas
das suas ações se espalham pelo mundo, como
na zona leste. Mas também percebo como a resistência
paulistana é um dos fatos sociais mais interessantes
do Brasil.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.
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