No lugar
de um excluído, vamos ganhar um escritor e um professor.
E eles ganham seu primeiro presidente negro
Barack Obama perderia as eleições se não
fosse um negro bem-sucedido nas escolas da elite branca. Até
o ensino médio, Obama se destacou mais pela sua habilidade
no basquete do que pelo desempenho acadêmico em um tradicional
colégio privado do Havaí, onde era um dos poucos
negros. Criado sem pai e envolvido, na adolescência,
com álcool, maconha e cocaína, ele próprio
admite que transmitia mais a imagem de ser outro negro desajustado
e sem maiores perspectivas do que a de um futuro líder.
Com apoio da família, especialmente da avó materna,
teve a base necessária para entrar em Columbia e Harvard.
Chamou a atenção do mundo acadêmico americano
por ter sido o primeiro negro a presidir a revista de direito
de Harvard, prestigiada mundialmente. Daí foi disputado
a tapa pelas melhores universidades americanas e acabou professor
em Chicago.
Como agente comunitário em Chicago, Obama gerenciava
programas de educação para o trabalho e preparação
para a entrada das minorias, especialmente negros, no ensino
superior.
Essa trajetória me dá a expectativa de que sua
posse, na próxima terça-feira, seja o início
de um extraordinário impulso em experiências
de inclusão úteis aos brasileiros.
Compreensivelmente, o mundo está esperando do futuro
presidente ações emergenciais para a crise,
além do encaminhamento para os conflitos armados, começando
com a guerra entre Israel e Hamas.
Mas seu mandato fará pouco sentido se ele não
aumentar a inclusão das minorias no geral e dos negros
em particular. Isso não ocorre sem a melhoria da rede
pública, onde, como no Brasil, se reclama da repetência,
da evasão, da violência e das baixas notas. Num
gesto que beira o desespero, estão dando prêmios
mensais em dinheiro aos estudantes (cerca de U$ 400) condicionados
às notas e ao bom comportamento.
Obama defende que o ensino superior, em alguma modalidade,
deve ser universalizado e prometeu colocar dinheiro na mão
dos mais pobres para cursar uma faculdade; o pagamento será
feito com trabalhos comunitários.
Obama está se propondo a estimular ou criar fundos
para atrair talentos, nem que seja apenas por um tempo, para
dar aulas em escolas das regiões mais pobres. Pretende
dar mais dinheiro aos professores mais experientes e criativos
que se disponham a tutorar seus colegas mais novos ou com
dificuldades. Propôs também mais dinheiro ao
professor com base no desempenho dos alunos -um projeto que,
assim como no Brasil, enfrenta forte oposição
dos sindicatos, avessos à meritocracia.
O futuro presidente prometeu mais força ao movimento,
iniciado nos anos 1990, de entregar a gestão de escolas
públicas para a sociedade, com autonomia para contratar,
demitir e criar seus próprios currículos. São
obrigadas, porém, a atingir as metas. É, em
essência, uma PPP (parceria público-privada).
Outro ponto importante do programa é a ampliação
do atendimento às crianças de zero a três
anos; já se sabe que essa fase é fundamental
para o desenvolvimento das habilidades para o resto da vida.
Obviamente, a crise econômica vai consumir muita energia
e dinheiro do novo governo. Mas é inevitável
que, pelo menos em parte, os projetos de inclusão saiam
do papel -seria como imaginar Lula, uma vez eleito, sem um
programa para mostrar aos pobres.
Embora em pequena escala, o Brasil começa a testar
projetos inovadores (e por serem inovadores apanham de todos
os lados), como o bônus por desempenho dos professores,
gestão compartilhada das escolas públicas, envolvimento
da comunidade na educação, parceria com empresários,
montagem de redes com os mais diversos recursos públicos
e privados integrados às salas de aula.
Obama é a esperança de que os Estados Unidos
sejam vistos e usados como um gigantesco laboratório
de experiências de inclusão social o que servirá
para os brasileiros como um valioso estímulo e aprendizado.
PS -Todo esse debate sobre Obama e a educação
pode ser resumido em Guilherme Souza, o menino de 13 anos
que, na semana passada, entrou em primeiro lugar no curso
de química da Universidade Federal do Paraná.
Vindo de uma família pobre (a mãe é diarista
e o pai, motorista), era um marginal na escola pública.
Com apoio de uma empresa (BS Colway), conseguiu ajuda para
estudar numa das melhores escolas do Paraná, o Colégio
Bom Jesus. Seu projeto: escrever livros didáticos e
ser professor de química. É a área em
que mais faltam professores nas redes públicas.
Em essência, a química que projetou Obama e Guilherme
são as mesmas -chegaram aonde chegaram porque tiveram
de prosperar nas escolas da elite branca. No lugar de um excluído,
vamos ganhar um escritor e um professor. E eles ganham seu
primeiro presidente negro.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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