Haverá
mais adultos para sustentar as crianças. Ou seja, são novos
aliados na guerra contra a ignorância e a violência
Em 2000, havia 51 milhões de
crianças até 14 anos no Brasil. No ano passado,
o número encolheu para 50 milhões -a diferença
seria o suficiente para lotar cerca de dez estádios
do Maracanã. É muito? Prepare-se para uma das
informações mais extraordinárias da paisagem
social brasileira. Não, não é muito.
Para o próximo ano, está prevista mais uma queda
expressiva, totalizando, em apenas dois anos, uma redução
de 2 milhões de crianças. Temos, aí,
20 Maracanãs: em dois anos se obteve uma redução
que demorou de 2000 a 2008. É muito? De novo, não
é. Pela estimativa do IBGE, teremos, em 2020, 42 milhões
naquela faixa etária. Comparando-se com o ano 2000,
é uma redução de 9 milhões de
brasileiros com até 14 anos de idade.
É como se desaparecessem todos os habitantes do Rio
e de Belo Horizonte ou 113 vezes a população
de Paraisópolis, a favela mais extensa da cidade de
São Paulo, que, na semana passada, entrou em guerra
com a polícia. Diante dessas estimativas, já
existe muita gente tentando transformar em dinheiro a redução
populacional.
Um esforço de tradução dessas projeções
pode ser encontrado em uma informação que o
ministro da Educação, Fernando Haddad, me transmitiu
na semana passada, ao anunciar que o presidente Lula vai se
empenhar em aprovar no Congresso a obrigatoriedade de ensino
dos quatro aos 17 anos; atualmente, vai dos seis aos 14 anos.
Isso significaria hoje mais 3,5 milhões de matrículas.
Cada uma custaria, em média, R$ 3.000 por ano. Na visão
do ministro, o aumento das matrículas seria viabilizado,
pelo menos em parte, com a mudança demográfica;
outra parte, claro, teria de vir de mais dinheiro no Orçamento.
Haverá também uma queda no número absoluto
na faixa dos 15 aos 17 anos. Haddad informa que o presidente
se dispôs a liberar mais R$ 9 bilhões por ano
para ajudar a viabilizar a expansão da obrigatoriedade
escolar; o prazo de implantação da medida seria
de cinco anos.
A nova paisagem social tira do campo do sonho a possibilidade
de oferecer, nos próximos 20 anos, creche pelo menos
às famílias mais pobres, universalização
do ensino médio e melhoria na qualidade. "Como
não estamos acostumados a pensar em queda do número
de brasileiros, ainda achamos estranhas essas projeções.
Mas estamos vivendo um momento extraordinário",
afirma José Eustáquio Diniz, coordenador da
escola do IBGE e um dos maiores especialistas brasileiros
em questões demográficas. Segundo estudos de
demógrafos, o Brasil é o único país
entre nações emergentes a ter, neste momento,
queda nos números absolutos de crianças e adolescentes.
Outra tradução possível é a redução
do medo diante de lugares como Paraisópolis, onde se
viu, na semana passada, o resultado da corrupção
policial misturado ao poder dos traficantes e à falta
de perspectiva da juventude -a combinação é
uma constante nas regiões metropolitanas.
Está provada a ligação entre redução
da violência e queda do número de jovens -aliás,
basta ver a idade média dos presos. Famílias
menores têm condições de educar melhor
seus filhos. Como vai prosseguir o aumento da matrícula
no ensino médio, teremos mais adolescentes na escola
do que na rua, com mais chance de inserção na
sociedade.
Some-se a isso que entrou na agenda brasileira a educação
em tempo integral, os programas de renda mínima contemplam
adolescentes, aumenta-se a pressão pelo respeito à
lei da aprendizagem, expandem-se o ensino técnico e
a disseminação de experiências como os
arranjos educativos locais (a integração das
políticas públicas nas comunidades), entre outros
projetos sociais. Haverá mais adultos para sustentar
as crianças. Ou seja, são novos aliados na guerra
contra a ignorância e a violência.
O problema é que o atraso social é tão
grande, o ensino público é tão ruim e
a polícia ainda tão despreparada que todos esses
fatores só vão ajudar, por muito tempo, apenas
a reduzir a barbárie.
PS - Por falar em barbárie, 3.000 professores tiraram
nota zero (isso mesmo, zero) no teste aplicado pela Secretaria
Estadual da Educação de São Paulo para
medir o nível de conhecimento sobre o que eles ensinam
em sala de aula. A prova foi realizada por 214 mil professores,
dos quais apenas 111 ( vamos repetir, 111) tiraram a nota
máxima. Ainda não se fez uma tabulação,
mas se estima que cerca de metade ficou abaixo da nota cinco.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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