Entusiasmados,
vizinhos começaram a se reunir naquela esquina grafitada.
Um deles decidiu fazer um jardim
O artista plástico Jaime Prades estava incomodado com
a sujeira que se amontoava num espaço público
localizado na rua Soledade, em Perdizes, a poucos metros de
sua casa -o lixo atraía ratos e baratas. O incômodo
resultou numa descoberta sobre o poder da arte contra a solidão.
"Descobri, pela primeira vez, que eu tinha uma vizinhança."
Formado em letras pela USP, Prades preferiu seguir as artes
plásticas e fez parte da primeira geração
transgressora de grafiteiros que, na década de 1980,
fazia intervenções em espaços públicos
-foi o grupo que abriu espaço para a moda da arte de
rua que iria, na década seguinte, ganhar espaço
em SP e projetar grafiteiros no mercado das artes.
A primeira ação de Prades, na esquina da rua
Soledade, foi limpar o lixo e impedir os novos entulhos. Depois,
fez desenhos, como se montasse uma espécie de instalação
urbana -a melhor instalação, porém, seria
humana.
Esquina da rua Soledade
Entusiasmados, alguns vizinhos começaram a se
reunir naquela esquina grafitada. Um deles decidiu fazer um
jardim e aquele ponto ficou com um jeito de praça.
Mais pessoas vieram colocar flores.
Na árvore que fica na praça que nascia, Prades
fez outra intervenção. Fios amarrados nos galhos
movimentavam dezenas de pequenos cartões com perguntas
do tipo: "Você é um espectador?"; "Você
realiza seus talentos?"; "Quem é você?".
Ele batizou a obra de "Árvore das Perguntas".
Aquela árvore chamou ainda mais a atenção
dos moradores da redondeza, especialmente das crianças,
curiosas com as perguntas -e algumas delas interessadas em
também prender seus cartões.
Naqueles encontros, Prades ia descobrindo, a cada dia, novos
vizinhos -um professor de literatura francesa na USP (Álvaro
Faleiros) até escreveu uma poesia, intitulada "Encruzilhada",
em homenagem a todo aquele movimento. "Aquele ponto gerou
uma corrente de pertencimento", conta Prades, que ontem
teve mais uma surpresa.
Perguntei-lhe o que significava Soledade em português.
Não sabia. Poucos minutos depois, voltou com o Aurélio
na mão, onde está escrito: 1) Lugar ermo, deserto,
solidão; 2) Tristeza característica de quem
se acha só ou abandonado.
O poeta Faleiros sabia. Um dos trechos de "Encruzilhada"
fala na "rosa no deserto de um tempo frio".
Jaime
Prades
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, editoria
Cotidiano.
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