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Em meio
ao turbilhão de dados fragmentados e desconexos, a
habilidade da seleção será cada vez mais
demandada
Começa nesta semana, em São Paulo, o festival
internacional de filmes com apenas um minuto de duração,
reunindo 80 países -esse tipo de mostra ocorre anualmente
em 40 nações, circula em escala planetária
e atrai o patrocínio de empresas multinacionais. Pouca
gente sabe que esse festival é uma invenção
brasileira e ninguém imagina que seu inventor era visto,
por muito tempo, como um fracasso, um caso irrecuperável.
Marcelo Masagão estava desempregado, em 1991, quando
conseguiu passar filmes de um minuto num teatro da PUC, em
SP; no ano seguinte, iria para o MIS (Museu da Imagem e do
Som). Um italiano viu aquela experiência e a levou para
a Europa, de onde se disseminou.
Como era excessivamente bagunceiro, foi expulso -ou, como
se diz, convidado a se retirar- das escolas em que estudou.
"Nunca tive uma turma de formatura", lembra. Não
conseguiu ficar nem mesmo no Colégio Equipe, uma ilha
de liberalidade paulistana. Na faculdade, cursou psicologia,
mas, após sete anos, não tinha completado 40%
dos créditos.
Só resolveu mesmo se esforçar na oitava série
porque seu pai o chamou de "burro e vagabundo".
Tirou notas altas, a maioria dez, nas matérias. Mas
no final se desentendeu com um professor e, mais uma vez,
recebeu o convite para se retirar. Como ele conseguiu montar
um projeto bem-sucedido? A resposta possivelmente está
nos estudos sobre as diversas formas de inteligência
desenvolvidos em Harvard -é uma das questões
essenciais para os alunos que, nesta semana, voltam para seus
colégios e universidades.
Disseminador da ideia de que existem inteligências múltiplas
(a escola só focaria numa delas), o psicólogo
Howard Gardner afirma que um dos atributos fundamentais para
prosperar profissionalmente é a "mente sintetizadora".
Com o excesso atordoante de informação, graças
em boa parte à abundância de fontes na internet,
passa a valer mais quem sabe extrair o que é essencial
-ou seja, quem sabe selecionar e apontar um caminho.
O primeiro filme de Masagão era um esforço de
resumir e encadear em 70 minutos toda a história do
século 20 -e sem nenhuma fala, apenas com imagens.
Depois de tanto tempo de dispersão, acabou encontrando
a síntese de seu futuro na busca de gente que procura
uma síntese em apenas um minuto, transformada também
num projeto de internet, e não apenas nos festivais.
Agora, ele criou a modalidade de obra em dez segundos, batizada
de "nanofilme".
Em meio ao turbilhão de dados fragmentados e desconexos,
a habilidade da seleção será cada vez
mais demandada -o que vai abater parte do encanto da produção
coletiva de conhecimento (o jornalismo colaborativo, por exemplo),
na qual muitos sentem autoridade para falar de qualquer assunto.
Afinal, a síntese depende de um longo processo de avaliação
do que é essencial.
Mais uma vez, o Festival do Minuto serve como exemplo. Tecnicamente,
qualquer um hoje pode se sentir um cineasta. Basta um celular.
São enviados para lá milhares de filmes, sem
qualquer esforço de produção. O ex-vice-presidente
dos Estados Unidos, Al Gore, tentou fazer uma emissora de
TV, via internet, para a qual qualquer um pudesse mandar sua
matéria. Viram-se obrigados a mudar o formato. Um claro
sinal dessa tendência apareceu no projeto "Círculo
de Leitores", desenvolvido pela Folha, em que, durante
oito meses, o jornal ouviu seus assinantes em São Paulo,
Rio e Brasília. Eles querem uma publicação
com os seguintes atributos: analítico, sintético,
prático e interpretativo. Em síntese: querem
ter ajuda para selecionar o que importa para suas vidas.
É fácil entender as razões dessa demanda;
difícil é enfrentá-las. Como reduzir
tantas coisas, muitas delas complexas, em tão poucos
minutos de leitura diária? Como captar a atenção
de um público cada vez mais hiperativo? Não
é um problema, óbvio, apenas dos meios de comunicação.
É um desafio que envolve toda a rede de produção
e disseminação do conhecimento.
Em geral, as crianças e os jovens não são
treinados, nas escolas, a selecionar, mas a acumular informações
de diferentes matérias, sem muita conexão com
a realidade, avaliadas em provas -e depois, rapidamente, esquecidas.
Os estudantes voltam, nesta semana, às aulas e vão
encontrar um sistema curricular que, na maioria dos casos,
está fracassado, determinado não por pedagogos,
mas pelo mercado de trabalho. Está aí uma das
razões por que foi muito mais fácil para Marcelo
Masagão fazer sucesso na vida do que na escola. Só
não sabia que iria virar uma espécie de professor
na arte de sintetizar.
PS - Coloquei neste
link um texto para quem quiser conhecer melhor as ideias
de Howard Gardner, professor da escola de Educação
em Harvard. Também coloquei no Catraca
Livre uma seleção dos filmes de um minuto
que serão exibidos, nesta semana, no festival em São
Paulo.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, editoria
Cotidiano.
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