O professor
não é valorizado nem defendido pela sociedade, o que implica
menos pressão contra os governantes
A semana passada ofereceu uma das mais didáticas
aulas de que se tem notícia, no Brasil, sobre as causas
do péssimo ensino público. É um marco
no aprendizado de uma nação sobre sua realidade
social.
Pela primeira vez o país teve uma noção
mais precisa sobre a qualidade dos profissionais que estão
em sala de aula, depois de revelado o resultado do teste inusitado
aplicado entre 214 mil professores paulistas. Aproximadamente
40% tirou nota abaixo de cinco, ou seja, 96 mil professores,
dos quais metade não chegou à nota três.
A partir dos resultados, faço aqui a seguinte sugestão:
não repitam o aluno, repitam a escola e os políticos.
É muito mais justo e, possivelmente, mais eficiente,
do que descarregar a culpa da incompetência no estudante
incapaz de aprender.
Frequentemente se aponta o sistema de progressão continuada,
apelidado de aprovação automática -o
aluno só repete depois de um ciclo de quatro anos,
como um dos principais responsáveis pelo ensino ruim.
Quanto mais temer a punição, mais o aluno tenderia
a aprender. Vejamos o tamanho dessa asneira.
A maioria dos alunos da rede pública vem de famílias
pobres, com baixo repertório cultural. Some-se a isso
que uma boa parte deles sofre de problemas físicos
e psicológicos, sem receber o tratamento adequado -só
nessa questão estamos falando, segundo as pesquisas
médicas, em 30% dos estudantes.
Eles frequentam colégios, em geral, com instalações
péssimas; basta ver as bibliotecas, os laboratórios
de ciências e de informática. Para completar,
pegam professores, com baixa remuneração, despreparados
e desmotivados, o que estimula o absenteísmo e a alta
rotatividade. Políticas públicas mudam ao sabor
dos prefeitos e governadores ou de seus secretários.
O que vimos, na semana passada, é que o despreparo
é maior do que imaginávamos. Perceba que estamos
falando aqui do Estado mais rico do país.
Puxando o fio a partir da prova, em que, segundo as listas,
3.500 tiraram zero e apenas 111 (0,05%), a nota máxima,
vemos a cadeia de vulnerabilidades. Já que dar aula
em escola pública, especialmente nas grandes cidades
e regiões metropolitanas e, mais especialmente ainda
em suas periferias, não é exatamente das atividades
mais atrativas -existe uma dificuldade imensa de atrair talentos.
Todo o resto é apenas consequência, a começar
dos cursos para formação de docentes.
As escolas são ruins, logo o professor não é
valorizado nem defendido pela sociedade, o que implica menos
pressão contra os governantes. Em nome de seus afiliados,
os sindicatos acabam por piorar essa imagem, ao defender o
absenteísmo, a alta rotatividade, atacar o pagamento
por mérito.
Na semana passada, o sindicato de São Paulo conseguiu,
com apoio da Justiça, que os professores reprovados,
e mesmo os que tiraram zero, não fossem afastados da
sala de aula.
Não conheço o caso de um sindicato que tenha
contribuído tão intensamente para comprometer
a imagem de uma categoria.
E depois disso tudo ainda querem culpar o aluno. Muito melhor
repetir o professor e a escola. Depois de oferecida uma chance
de recuperação e reciclagem, se o professor
e a escola não se recuperarem, deveriam ser afastados
e trocados os comandos. Melhor ainda (e mais justo) seria
repetir os prefeitos e o governadores, caso não demonstrem
empenho em aprimorar o ensino público.
PS - Essa proposta de punir o governador
e o prefeito por causa do desempenho de suas escolas não
é delírio. Está sendo articulada no Brasil,
com apoio de entidades como Todos Pela Educação
(onde está a elite empresarial e acadêmica),
Unicef, Unesco, além de representantes de secretários
e estaduais e municipais, um movimento pela aprovação
da Lei da Responsabilidade Educacional.
Há uma possibilidade de que, no próximo mês,
o Ministério da Educação prepare um projeto
de lei para ser discutido em audiências públicas
e depois enviado ao Congresso. Maluquice? Diziam que a Lei
da Responsabilidade Fiscal não pegaria. Pegou -e é
uma das razões que garantem certa estabilidade ao país.
Para os mais ricos, aliás, essa lei já existe.
Alguém consegue imaginar uma escola privada em que
os professores faltam, a direção troque constantemente
e que a maioria dos alunos saia do último ano sem saber
ler adequadamente. Por muitíssimo menos, os pais reclamam.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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