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Quando eu morava em Nova York, entre
1995 e 1998, testemunhei a perplexidade dos jornalistas e
estudiosos diante da queda continuada do número de
assassinatos na cidade.
Estou começando a ver essa mesma perplexidade na cidade
de São Paulo, onde a taxa de assassinatos está
caindo, sem parar e todos os anos, desde 1999. Há,
porém, uma monumental diferença. Nova York foi
beneficiada pelo vigoroso crescimento da economia americana,
gerando aumento dos salários e pleno emprego. Já
o período de 1999 a 2003 significou para nós,
brasileiros, mais desemprego e queda de salário. Ou
seja, lá aumentou a riqueza, aqui a pobreza.
Com base em dados do Ministério da Saúde e IBGE,
a Unesco divulgou, na semana passada, o "Mapa da Violência",
no qual mostrou que, de 1999 a 2003, a queda do número
de assassinatos foi de 19% na cidade. A tendência prossegue
até este ano.
Nesse mesmo período, foram registrados, embora em menor
intensidade, menos assassinatos na região metropolitana
de São Paulo, formada por 39 cidades. É o que
explica, em larga medida, por que o Estado de São Paulo
reduziu o índice em 12%, de 15.810 para 13.903 vítimas,
enquanto nos demais Estados brasileiros a taxa subiu. Traduzindo
em vidas: menos cinco famílias enlutadas por dia. O
que está acontecendo?
A verdade: ninguém sabe. É sinal de nosso desconhecimento
sobre mudanças estruturais no Brasil. É o mesmo
desconhecimento que nos fez tomar um susto diante da divulgação
pelo IBGE, neste ano, de que entre os pobres existem muito
mais obesos do que desnutridos. Lembremos que o Fome Zero
foi a maior bandeira de Lula. Todo um governo estava baseado
em informações errôneas e, nós,
a mídia, vamos reconhecer, também não
nos saímos melhor.
O Mapa da Violência da Unesco traz uma algumas explicações
razoáveis: melhoria da polícia e aumento da
população carcerária; envolvimento da
comunidade em projetos contra a violência; disseminação
de projetos sociais. Não temos idéia sobre o
peso de cada um desses fatores. Há muito mais incógnitas.
Desconhecemos o impacto da queda do número de filhos
entre as mulheres brasileiras nos centros urbanos. Está
provado que menos adolescentes, menos violência.
As políticas de renda mínima completam, em 2005,
dez anos de idade. Pode-se dizer que é pouco, mas o
fato é que nunca tantos pobres receberam tanto dinheiro
diretamente do poder público.
Desde a gestão Marta Suplicy, são centenas de
milhares de famílias que vivem nas regiões mais
pobres da cidade de São Paulo que recebem uma complementação
de renda. Nesses locais, o crime caiu mais. Existe alguma
relação?
Aumentou a matrícula escolar e caiu a evasão.
Multiplicam-se as parcerias para a melhoria da educação.
Dezenas de milhares de escolas públicas funcionam nos
finais de semana como centros comunitários. No Estado
de São Paulo, por exemplo, quase 100% (vou repetir,
100%) dos alunos entre 15 a 18 anos estão no ensino
médio. É uma tendência que se verifica
em todo o país.
Difícil medir o que representa o fato de a cidade de
São Paulo ser o epicentro do terceiro setor. São
centenas de milhares de pessoas e empresas que, em menor ou
maior grau, desenvolvem algum tipo de ação comunitária
nos bairros mais desolados.
Até que ponto a disseminação das igrejas
evangélicas não produz, nas periferias, capital
social e transmite uma sensação de pertencimento
aos mais pobres? Esse capital interfere na violência
e em qual medida? Pesquisas indicam que, nos bairros pobres,
filhos de evangélicos, convidados a ler a Bíblia
desde pequenos, exibem melhor desempenho escolar na fase de
alfabetização. Isso gera pessoas mais integradas?
Na quinta-feira, os evangélicos mostraram seu poder,
ao colocar dois milhões de fiéis na avenida
Paulista, enquanto o padre Marcelo não atraiu mais
de 10 mil católicos.
Um dos mais importantes estudiosos sobre violência no
Brasil, José Vicente da Silva, ex-secretário
Nacional de Segurança, afirma que, em várias
cidades, prefeitos conseguem bons resultados no combate à
violência. "Eles trabalham com foco."
Ele cita o caso de São José dos Campos, onde,
nos primeiros três meses do ano, o índice de
jovens assassinados diminuiu 57% em relação
ao mesmo período de 2004, que, por sua vez, já
tinha melhorado em relação a 2003. Ali se desenvolvem
há muitos anos ações nos bairros mais
conflagrados e investimentos nas crianças e adolescentes,
ou seja, nos candidatos à marginalidade.
Outro exemplo, segundo José Vicente, é Diadema,
na região do ABC, que, até pouco tempo atrás,
estava em primeiro lugar na lista das cidades paulistas mais
violentas. De 1999 até o ano passado, a taxa de homicídios
caiu 65%. Foram urbanizadas favelas, montaram-se programas
para jovens e fortaleceu-se o policiamento comunitário.
Além disso, com base num banco de dados sobre a incidência
dos crimes, foi decretado o fechamento dos bares depois das
22h.
Podemos desconhecer por que os assassinatos caíram
em São Paulo. Mas o fato é que caíram
e é um fatos mais extraordinários da realidade
social brasileira.
PS - Nada quero dizer, claro, que estejamos bem no campo
da segurança. Estamos péssimos. Quero dizer
que, de tanto apanhar, estamos aos poucos aprendendo a enxergar
na escuridão.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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