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O objetivo era comparar o desempenho
de alunos de escolas públicas e de escolas particulares
na universidade. Foram, então, analisados os registros
acadêmicos de jovens da mesma idade que tiraram as mesmas
notas no vestibular, começaram a estudar no mesmo ano
e entraram no mesmo curso da Unicamp.
A pesquisa surgiu quando a direção da Unicamp
discutia mecanismos para democratizar o vestibular e queria
conhecer melhor os estudantes que tinham vindo de escolas
públicas. Os pesquisadores se surpreenderam com a comparação.
A conclusão contraria o senso comum: os estudantes
de escolas públicas se saíram melhor. Isso apesar
de serem comparados com colegas mais ricos, egressos de colégios
particulares.
Resultado semelhante foi divulgado, na terça-feira
passada, pela Universidade Estadual do Rio do Janeiro, onde
se criou um sistema de cotas para alunos mais pobres. Os chamados
"cotistas", por muitos acusados de só passar
no vestibular por favor e de ter qualificação
insuficiente (o que acabaria fazendo baixar o nível
acadêmico), apresentaram rendimento ligeiramente superior
ao dos demais universitários matriculados nos mesmos
cursos.
As razões dessa vantagem apresentada por quem saiu
de uma desvantagem já é motivo de interesse
de pesquisadores da Unicamp das mais diferentes especialidades
-o que certamente vai render teses de doutorado. Vão
surgir as mais diversas interpretações para
esse fato. Uma delas foi exposta durante debate, realizado
na Folha, sobre ensino superior e inclusão, pelo reitor
da Unicamp, José Tadeu Jorge, para quem existem sinais
inequívocos de que os estudantes de escolas públicas,
lutando contra todas as dificuldades, desenvolveram uma garra
especial.
É o que explica, por exemplo, por que os imigrantes
e migrantes conseguem prosperar.
Tais informações agregam mais uma questão
na seleção para ingresso nos melhores cursos.
Trata-se não apenas de uma questão moral -ou
seja, de desigualdade de oportunidades- mas também
de desperdício de recursos humanos.
Se for verdade que alunos de escolas públicas, sobreviventes
da peneira educacional, são mais esforçados,
aproveitam melhor uma oportunidade, recuperam as defasagens
e se destacam, o país está deixando de fora
sua melhor fatia de capital humano, condenando-a a faculdades
privadas de péssima qualidade.
O vestibular, portanto, está selecionando, muitas vezes,
não os melhores alunos para o ensino superior, mas
aqueles habilitados a fazer melhor testes episódicos.
Temos hoje quase 10 milhões de alunos no ensino médio,
a imensa maioria deles em instituições oficiais,
o que dá a medida do desperdício.
Daí que vale a pena prestar atenção a
uma solução discutida na Universidade de São
Paulo. Seu reitor, Adolpho José Melfi, discorda do
programa de cotas, mas concorda com o objetivo de atrair mais
alunos de escolas públicas.
Uma das alternativas, segundo ele, seria a universidade fazer
um selecionado de alunos dos ensinos fundamental e médio
com base em critérios objetivos: as provas já
existentes de desempenho. A USP trataria de oferecer-lhes
reforço especial, inclusive com cursinho pré-vestibular
gratuito. Os selecionados teriam, assim, uma educação
em dois períodos, com direito a bolsa para que não
tivessem de trabalhar.
A medida também seria um tapa-buraco, é claro.
Alternativa de verdade é oferecer a todos ensino de
qualidade, o que, neste momento, é impossível,
por exigir toda uma cadeia educativa: o processo começa
com a criança recém-nascida recebendo os mais
diversos estímulos familiares ou em creches (o que
é ainda escasso no país) até chegar ao
ensino médio. São anos e mais anos de investimento.
O Brasil ainda não estabeleceu, nem mesmo nos discursos,
a educação como prioridade.
No debate da Folha, realizado na quarta-feira, em que estavam
presentes os reitores da Unicamp e da USP, o secretário
de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico
e Turismo do Estado de São Paulo (João Carlos
Meirelles) e responsáveis por programas de inclusão
social dos ministérios da Educação (Ricardo
Henriques) e da Ciência e Tecnologia (Rodrigo Rollemberg),
houve consenso em que há uma alternativa viável
para colocar mais gente no ensino superior.
Uma das saídas é a expansão das faculdades
de tecnologia, que oferecem cursos bem mais baratos do que
os das demais faculdades públicas, garantem emprego
e estimulam a produtividade da economia.
Não adianta demagogia: alguma seleção
deve existir por uma simples questão matemática.
Há mais candidatos do que vagas. Por mais que a situação
não nos agrade, a universidade que faz pesquisa sempre
será cara e acessível a poucos.
Universidade para todos não é uma solução,
mas uma ilusão. O problema é que podemos estar,
como sugere a pesquisa da Unicamp, prejudicando os melhores,
o que, além de injusto, está fazendo-nos jogar
dinheiro fora.
PS - Sabemos que universalizar creche é algo difícil;
o custo por aluno sai, nesse tipo de escola, bem mais alto
do que no ensino fundamental ou médio. Vale a pena
prestar atenção a uma experiência realizada
no Rio Grande do Sul. Lá são treinados agentes
de saúde, responsáveis apenas por visitar semanalmente
famílias mais pobres e ensiná-las a educar as
crianças. Já existem sinais de que esse tipo
de estimulação é uma ajuda preciosa para
que a criança, uma vez matriculada no ensino formal,
aprenda melhor. É daquelas idéias que deveriam
disseminar-se em todo o país, pois ataca uma das raízes
da desigualdade.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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