Na Laramara - Associação
Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, localizada
na zona oeste de São Paulo, o ato de brincar se torna
um momento ainda mais divertido para as crianças atendidas
pela ONG. Brinquedos com texturas, formas e cores diferentes
construídos e adaptados especialmente para portadores
de deficiência visual, estimulam também os outros
quatro sentidos: tato, audição, paladar e o
olfato.
Segundo a pedagoga Mara de Campos Siaulys, presidente da
organização, o brincar, a interação
e a participação da criança são
fundamentais a criança. "O desenvolvimento cognitivo
se inicia desde o nascimento pela interação
com o ambiente. Como 80% de tudo o que aprendemos é
pelos olhos, uma criança que não enxerga fica
prejudicada. Você precisa substituir essa falta, compensar
com todos os outros sentidos para que ela participe do ambiente".
Ela ressalta a importância de integrar todos os sentidos
para um aprendizado completo sobre o objeto.
A pedagoga começou a desenvolver os brinquedos a
partir de sua experiência no atendimento a crianças
com deficiência visual. Ela conta que, durante o trabalho,
percebia a dificuldade da criança cega assimilar situações
abstratas, sem um objeto concreto e tátil para compreender
o que aquilo significava, como números, por exemplo.
Diversas vezes, Mara teve de adaptar diversos brinquedos para
que a criança pudesse sentir também pelo tato
e a audição.
O primeiro brinquedo desenvolvido foi um de introdução
ao braile, onde as crianças precisavam encaixar as
letras dos seis pontos do braile e formar palavras. A pedagoga
afirma que, até então, o único material
que existia com este aspecto era uma cartilha chamada Caminho
Suave, que trazia ilustrações em braile.
"Eu achava isso o cúmulo. É super importante
para a criança cega conhecer um brinquedo que represente
aquele fato, não somente pelo braile. Senão,
ela pode até ouvir falar, mas não saberá
o que é até ser apresentada a eles. E os brinquedos
têm a função de dar essa oportunidade
para que ela conheça os objetos". Hoje, são
mais de 100 brinquedos fabricados no Centro de Produção
de Brinquedos e Materiais Pedagógicos da Laramara.
Eles são feitos em diversas formas, tamanhos, cores
e materiais, como plástico, madeira, tecido, lixa,
entre outros.
Cada brinquedo tem uma função distinta e facilita
o aprendizado. A proposta é propiciar o desenvolvimento
integral da criança. A Colméia Alfabética,
por exemplo, ajuda a criança a conhecer o alfabeto.
Para cada letra, que é escrita em braile e em letra
comum, a Colméia traz diversos objetos que iniciam
com esta letra. Desta forma, a criança irá reconhecer
os brinquedos pelo tato, pelo nome e qual sua função.
Já o Caixinha de Números, ajuda a criança
na aquisição do conceito de número e
quantidade.
Mara explica que a criança que não enxerga
também tem muita dificuldade em entender a questão
de tempo, como as horas do dia, a divisão entre manhã,
tarde e noite, pois ela não vê as mudanças
que ocorrem ao longo do dia. Brinquedos como o Passatempo
vem facilitar este aprendizado e desenvolver a noção
do tempo. O brinquedo é um grande painel composto por
cartões que se encaixam pequenos bolsos. A proposta
é que, ao lado dos meses do ano, a criança coloque
um cartão com um acontecimento que faz referência
ao mês. Janeiro, por exemplo, é o mês das
férias de verão e fevereiro é o mês
do Carnaval. No mesmo brinquedo, ao lado dos dias da semana,
a criança pode relacionar com as atividades que realiza
diariamente.
O Doce Sabor incentiva as crianças a desenvolverem
atividades que melhoram a coordenação motora.
O mais interessante é que todas as partes do brinquedo
são comestíveis. A criança tem que encaixar
a bolacha num tubinho, que está colocado numa barra
de gelatina. Ela pode ainda fazer colar e pulseira de balinha
ou brincar com a massinha de modelagem colorida e, no final,
comê-la, já que é feita de farinha. Tem
até uma receita de tinta de gelatina e uma caixinha
com balas que faz barulho para acompanhar uma música.
Para os bebês, foram desenvolvidos diversos brinquedos.
O Rodão, por exemplo, feito com pneu de caminhão
e coberto com uma malha de tricô, é um espaço
aconchegante onde a criança é colocada ficando
com as mãos livres para brincar com os objetos presos
ao seu redor. "São objetos interessantes, como
chocalho, pandeiro. Esta é uma oportunidade para ela
brincar, interagir, sentir objetos que tenham som e melhorar
a coordenação motora. Além de brincar,
ela está se desenvolvendo", comenta a pedagoga,
que ressalta a importância também dos outros
brinquedos vendidos em lojas comuns. "As crianças
cegas podem usar normalmente os demais brinquedos, mas têm
que ter um sentido para elas. É importante que aproveitem
aquele objeto porque, alguns brinquedos, elas irão
pegar, sentir e não fará sentido nenhum".
Luiz Henrique Soares Silva, de seis anos, aprendeu a conhecer
melhor as formas e as cores brincando com um jogo chamado
"Formas e Números". Hoje, ele se diverte
ao completar rapidamente o jogo reunindo corretamente os quadrados,
as estrelas e as bolas das mesmas cores utilizando o tato.
"Ele é muito esperto e adora brincar. Com estes
brinquedos, ele monta e inventa várias coisas, ajudando
no seu desenvolvimento. O uso do tato facilita muito o aprendizado",
comenta a mãe, Sheila Oliveira Soares.
Os brinquedos desenvolvidos por Mara e sua equipe, na sua
maioria, são fáceis de fazer e podem ser produzidos
até mesmo em casa. O "Chocalho Gruda-Gruda",
por exemplo, é feito com latas de molho de tomate,
revestidos de materiais com cores e texturas diferentes, que
trazem, dentro da lata, objetos com sons distintos. O brinquedo
ajuda a desenvolver a coordenação ouvido-mão,
além de fortalecer a mão, favorecer a identificação
e reconhecimento dos sons, entre outros benefícios.
Os pais podem aprender a produzir estes produtos em livros
e vídeos desenvolvidos pela Laramara. Atualmente, os
brinquedos, além de serem vendidos na Brincanto, loja
da organização, são encomendas por escolas,
prefeituras e entidades que trabalham com deficientes visuais
de São Paulo e do Brasil.
Espaços para brincar
Além da produção de brinquedos e de um
acervo desse material, composto por 1.500 brinquedos, o Projeto
Brincanto desenvolve outras atividades que favorecem a brincadeira
como instrumento de desenvolvimento integral das crianças.
O projeto engloba ainda ações como a AMA (Atividades
Motoras Adaptadas) e o Brin-Ar Feliz, em que crianças
de creches da cidade são convidadas a brincarem em
todos os espaços da organização. As professoras
também são envolvidas nas atividades e participam
de palestras que mostram a importância do mundo da brinacadeira.
Os pais participam de perto de todo esse processo e são
envolvidos nas atividades para favorecer o aprendizado das
crianças. No Centro de Convivência da Família,
os participantes aprendem a construir brinquedos e a brincar.
As mães, que participam de cursos e atividades, já
desenvolveram mais de 70 livros em braile. Elas criam histórias
e ilustram os livros com elementos concretos, com brinquedos.
Assim, a criança, além de ler, pode conhecer
também os elementos que estão sendo narrados.
Um livro sobre as Olimpíadas da Austrália, por
exemplo, traz em relevo a quadra de tênis e os lutadores
de judô. Tudo é sensorial. Todos os brinquedos
e livros podem ser levados para casa, em empréstimo.
Maria do Socorro Alencar Simplício participa há
quase 10 anos das atividades da ONG, produzindo brinquedos
e acompanhando as duas filhas portadoras de deficiência
visual. Ela diz que, atualmente, o grupo de mães está
trabalhando em um novo projeto para ajudar os pais novos da
entidade a conhecerem os direitos das crianças e também
se envolveram mais nas ações da ONG. "Temos
que incentivar essa participação porque tudo
é para o bem dos nossos filhos", aponta.
Segundo a presidente da Laramara, atualmente, a organização
trabalha com uma linha pedagógica que favorece essa
interação entre as crianças e suas famílias,
priorizando a socialização. "Há
oito anos, o nosso trabalho era quase que terapêutico.
Antes, trabalhávamos na deficiência das crianças.
Hoje, na eficiência que elas têm", explica
a pedagoga.
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