Atenção e disposição a ajudar
são as palavras de ordem dos mais de cinco mil homens
e mulheres que, nos últimos 12 anos, se envolveram
com as atividades do Corpo de Socorristas do Brasil, uma organização
não-governamental, formada por profissionais voluntários
das mais variadas áreas, desde médicos e bombeiros,
até engenheiros, estudantes e donas de casa. A iniciativa,
que surgiu a partir de um grupo de profissionais da área
de segurança, busca preparar as pessoas para atuarem
em situações de emergência, com técnicas
de primeiros socorros até o momento da chegada da assistência,
prevenindo acidentes diversos e preservando a vida.
Os socorristas, portanto, não atendem ocorrências,
já que isso é função de órgãos
municipais e estaduais, como o Corpo de Bombeiros. Mas colaboram
quando se deparam com uma vítima, fazem as primeiras
assistências e depois acompanham a pessoa junto à
equipe de resgate profissional até o momento em que
a vítima for liberada e estiver salva ou sob cuidados
médicos. "A gente brinca que cuidamos dos gatinhos
enquanto os bombeiros salvam vidas", afirma humorado
Moisés Gomes da Silva, bombeiro e diretor sênior
do Corpo de Socorristas.
Isso porque, em situações de calamidade pública
como uma grande enchente, por exemplo, os socorristas se preocuparão
com aquela criança que estava sozinha em casa, e ficou
correndo na água e que pode estar contaminada e talvez
até passou o dia inteiro sem comer qualquer coisa.
Os voluntários procuram ainda unir esforços
para recuperar o que os moradores perderam e até a
separar doações, como roupas para serem entregues
aos desabrigados. "Ou seja, vamos oferecer ajuda com
uma equipe totalmente treinada para casos que hoje os órgãos
não fazem. O trabalho deles é outro", completa
Moisés.
Para estarem preparados a atuar em situações
como esta os socorristas passam por um cuidadoso treinamento.
O primeiro passo é a seleção inicial,
que inclui entrevista, exames psicológicos e de saúde.
Os interessados precisam ainda ter pelo menos 18 anos e estar
trabalhando ou estudando. A partir daí, durante um
ano, eles participam do Curso de Formação de
Oficiais Voluntários, com aulas de técnicas
de atendimento pré-hospitalar, defesa pessoal, prevenção
e combate a incêndio, primeiros socorros, e até
noções de direito, cidadania, anatomia e administração
do corpo de socorristas.
Os encontros são realizados uma vez por mês,
em um dos nove espaços de formação espalhados
pela Grande São Paulo. A organização
conta ainda com equipes atuando em Extrema, subdistrito de
Camanducaia (MG) e já começou a dar os primeiros
passos também no Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Sul. Todos os locais são cedidos por igrejas, escolas
ou entidades sociais.
Com essa formação, os socorristas ficam aptos
a avaliar com segurança o local do acidente e os sinais
vitais da vítima, utilização correta
das manobras para liberação de vias aéreas
e procedimentos para a ventilação da vítima
e das técnicas de reanimação cardiopulmonar,
além do controle de hemorragias e orientação
sobre técnicas preventivas de traumas, casos clínicos
e acidentes domésticos, entre outros. Esses conhecimentos
foram essenciais para Edmar Costa Junior, socorrista pleno
e tesoureiro da ONG, para ajudar um morador de rua que havia
sido atropelado.
Edmar percebeu uma grande movimentação na
rua e um grupo de pessoas em volta do homem caído no
chão. "Nesta hora analisei os sinais vitais e
tentei mantê-lo com consciência. Acionei também
o sistema de emergência correto para aquela região.
Foi aí que percebi que precisava saber lidar também
com a prevenção, que é me localizar no
espaço da cidade e conhecer qual o procedimento mais
rápido, se há uma base de policiamento ali ou
não, já que, naquela hora, as pessoas que estavam
no local não sabiam nem ao certo qual número
de emergência haviam acionado", conta ele, recordando
também que teve de aprender a lidar com o pânico
que bateu no momento, já que ainda estava em treinamento
naquela época.
Edmar acredita ainda que temas abordados durante as aulas,
como noções de direito e cidadania, são
essenciais nestas situações para que os socorristas
saibam a maneira correta de agir. "Isso sana nossas dúvidas
diante do acidente. Até onde eu posso agir? Como eu
devo me portar diante de uma autoridade? Até que ponto
ela pode coagir? São coisas importantes não
só para nossa atuação, mas na vida. Afinal,
isso é a base de tudo", comenta o socorrista,
que chegou até a organização há
dois anos, depois de se deparar com uma situação
em que seu colega precisava de atendimentos médicos
urgentes, mas ele não tinha conhecimentos de primeiros
socorros e a assistência demorou a chegar no local.
Seu amigo acabou falecendo no hospital.
Todos os procedimentos adotados pelo Corpo de Socorristas
respeitam o protocolo americano de atendimento pré-hospitalar
que, segundo Moises, é o mais avançado, pois
são pioneiros nestas técnicas. "Hoje, a
gente faz aqui no país algo que eles deixaram de fazer
há 30 anos. Só para se ter idéia, o socorro
lá chega em três minutos. Aqui, a média
é de oito. O que falta é investimento e conhecimento
das pessoas sobre estes atendimentos. Desta forma, não
exigem mudanças. Isso ainda deixa muito a desejar no
país", comenta.
Para suprir essa falta de informação é
que a organização definiu como atuação
central também a prevenção, procurando
melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Os socorristas
realizam palestras em escolas, empresas, comunidades, além
de oferecerem mais de 2 milhões de vales cursos gratuitos
(basta acessar o site) sobre primeiros socorros, com duração
de quatro horas. Edmar é um dos instrutores e destaca
que, depois das palestras, muitas crianças e pais ligam
para contar como conseguiram socorrer um parente ou como se
portaram frente a situações de emergência.
O socorrista conta que em diversos momentos os voluntários
são vistos como heróis. "Mas, para mim,
isso só existe em história em quadrinhos",
ironiza Edmar.
Brincadeiras à parte, Moisés ressalta a importância
destes conhecimentos básicos na vida das pessoas, que
poderiam evitar finais trágicos em caso de pequenos
acidentes, como queimaduras, falta de ar e engasgamento. "O
agravante é que, normalmente, ninguém dentro
da casa está preparado. Fica todo mundo apavorado e
acabam não fazendo nada. Com ações simples,
você consegue aumentar a chances de sobrevida das pessoas",
comenta o diretor. Em sua opinião, primeiros-socorros
e noções de direito deveriam fazer parte do
currículo escolar. "A calamidade no Brasil é
cultural, isso sim".
O Corpo de Socorristas pretende ampliar ainda mais o número
de participantes, com a proposta de dobrar o número
de voluntários. No entanto, falta apoio financeiro
para as ações. Exemplo disso é que, durante
dois anos, no posto de Santo Amaro, os socorristas ofereceram
cursos de formação em cidadania e de computação,
digitação, noções de mecânica
e eletricidade, anatomia e fisiologia básica, vida
preventiva, dentre outros, para cerca de 600 adolescentes,
mas as atividades tiveram de parar por falta de verba. Hoje,
a entidade se mantém com doações tanto
dos próprios voluntários ou empresas parceiras,
que recebem o título de: "Empresa que valoriza
a vida".
Nestes 12 anos de trabalho, o Corpo de Socorristas tem conseguido
também ampliar a sua rede de parcerias. Os voluntários
contam com apoio do 911 do Canadá e de Chicago, principalmente
para facilitar compra de equipamentos e materiais necessários
para os cursos de formação e atendimento. Em
breve, Portugal será mais um país a compartilhar
suas experiências nesta área com o Corpo de Socorristas,
com um respaldo no treinamento de voluntários. A Organização
das Nações Unidas (ONU) também se mostrou
interessada em discutir uma parceria, com a transferência
de recursos, para a atuação dos socorristas
em calamidades e catástrofes.
Corpo de Socorristas do Brasil
Endereço: rua Tenente Antonio João,
nº 275/283, bairro Cerâmica, São Caetano
do Sul, São Paulo
Telefones: (11) 4229-5216 / 4227-2341 / 9516-2921
Site: www.socorristas.org.br
E-mail: socorristas@socorristas.org.br
Como se tornar voluntário: basta entrar em contato
com a entidade e marcar uma entrevista
DANIELE PRÓSEPERO
do site Setor3
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