Rocinha está voltando a estudar.
Nada menos do que 450 moradores aceitaram, nos últimos
dez dias, o desafio de encarar novamente o quadro-negro. Eles
foram convencidos por vizinhos que já viveram a mesma
situação - largaram e voltaram à escola.
E agora disputam a gincana Rocinha Quer Saber. A brincadeira
é séria. Faz parte do processo - iniciado durante
os confrontos deste ano na favela - que motivou a sociedade
civil a realizar ações capazes de provocar mudanças
positivas na comunidade.
A gincana contou com dez turmas e teve cerca de 250 participantes.
Como prêmios, celulares da empresa Vivo, que apoiou
a gincana, material escolar e um passeio pela Baía
de Guanabara.
Os dez dias da primeira fase da gincana, iniciada em 14 de
outubro e organizada pela ONG Viva Rio, foram de dura competição.
Para preencher as 450 vagas nos programas de ensino locais,
houve estratégias curiosas.
O vencedor da disputa individual, José Luiz de Moura,
de 21 anos, colocou mesa e cadeira na feira mais movimentada
da favela. Conseguiu sozinho 81 matrículas.
A gincana foi o incentivo encontrado pelo Viva Rio para levar
moradores da comunidade a retomarem os estudos. Eles vão
estudar em programas feitos em parceria com instituições
como a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco
e Firjan (Federação das Indústrias do
Rio de Janeiro).
Melhor que um ano
Nesta primeira fase, as melhores equipes foram as
turmas da Núcleo de Apoio à Creche Dois Irmãos,
com 164 matrículas, seguida pelo pessoal da Igreja
Metodista, com 116.
Na segunda etapa da gincana, que começa nesta segunda-feira,
25, e vai até 20 de novembro, os concorrentes terão
que levar os candidatos a efetivar suas matrículas.
Só então será feita a soma dos alunos
por idade e contabilizada a pontuação individual
dos participantes. Segundo os organizadores da gincana, quanto
mais velho for o novo estudante, mais pontos para os concorrentes.
A escolha de alunos que já participam desses projetos
para disputar a gincana não foi casual: “Eles
são as melhores pessoas para convencer a comunidade
a voltar a estudar, já que contam com a própria
experiência”, diz Carlos Costa, coordenador da
Segurança Pública e Direitos Humanos do Viva
Rio, presidente da Associação de Moradores do
Laboriaux e um dos organizadores da gincana.
E para matricular e vencer a competição, os
participantes - individualmente e em turmas - fizeram de tudo
para convencer amigos e parentes da importância dos
estudos.
O vencedor, José Luiz de Moura, representando a turma
de Ensino Médio da Igreja Metodista, traçou
uma bem bolada estratégia. Fez cartazes com a pergunta
“Quer terminar seus estudos de alfabetização,
1º grau e 2º grau em apenas 12 meses?”, com
seu nome e telefone escritos abaixo. E saiu colando pelas
paredes da favela. “Escrevi 12 meses porque quando vê
escrito um ano o pessoal fica assustado”, explica.
Deu certo. “Depois dos cartazes, meu telefone começou
a tocar e uma penca de gente foi se inscrevendo”, conta.
Sua última cartada foi na feira deste domingo, 24.
“Coloquei uma mesa, uma cadeira e um cartaz bem grande
na feira e fui fazendo as inscrições”,
conta.
José Luís também se valeu dos conhecimentos
feitos na Rocinha em seu último trabalho. “Como
fazia ligações de internet, conheci muita gente.
Isso ajudou”, acredita. Tudo isso em apenas quatro dias.
“Não soube da gincana antes, mas quando tomei
conhecimento comecei a correr atrás”, afirma.
Parte do estímulo de José Luís veio
do pastor da sua igreja, que o desafiou. "Ele apostava
que ia vencer. Isso me deu mais força”, garante
o estudante. O pastor ficou na lanterninha, mas fez sua boa
ação - estimular o rival.
Disputa acirrada
O segundo colocado, Jorge Luis Linhares Madeira,
30 anos, representando o Núcleo de Atendimento à
Criança Dois Irmãos, montou barraca na entrada
da Via Ápia e armado de microfone, anunciava a iniciativa.
Mas não ficou nisso. Foi também às igrejas
evangélicas e divulgou a gincana, falando da necessidade
de completar estudos interrompidos.
Até a sexta feira, 22, ele já contava com 45
alunos inscritos. No final, alcançou 71 inscrições.
Mas foi suplantado no fim de semana. “No início,
não acreditei muito na gincana. Mas depois que vi as
coisas acontecendo, me entusiasmei e até estava confiante
na vitória”, conta.
O plano de ação teve como base seus conhecimentos
na área. “Trabalho com comunicação
e usei isso para conseguir matrículas”, conta.
Evangélico, ele está cursando o Ensino Médio
e pretende fazer faculdade de Marketing.
Nesta primeira fase da gincana, a meta foi preencher o maior
número possível das vagas, distribuídas
entre Ensino Fundamental (150), do projeto Acelera Jovem (parceria
entre o governo do Estado, o Viva Rio e a Fundação
Roberto Marinho); Ensino Médio (100), do programa Rocinha
Quer Saber (parceria entre o Instituto Unibanco, a Fundação
Roberto Marinho e o Viva Rio); e curso de Alfabetização
(200), oferecido pela Firjan.
Até a Associação de Moradores da Rocinha
entrou na brincadeira. “Como os diretores estão
o tempo todo na rua resolvendo problemas, orientei a eles
que explicassem às pessoas a importância de terminar
os estudos”, explica William de Oliveira, presidente
de uma das três associações de moradores
da Rocinha. Com a diretoria em campo, a associação
ficou com o 4º lugar.
William ficou entusiasmado com a participação.
Ele acredita que “se todos os projetos fizessem algo
no gênero para incentivar o morador a participar, os
programas seriam cada vez mais conhecidos na comunidade”.
A associação entrou na disputa representando
a turma da igreja N.S. da Boa Viagem.
VILMA HOMERO
do site Viva Favela
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