O plano
B deixou de ser um projeto exclusivo de quem ultrapassou a
casa dos 50 e começa a vislumbrar o estilo de vida
na aposentadoria. Ele agora é preocupação
de gente jovem, que não apenas já sonha com
o projeto futuro de vida como investe nele para, na hora H,
executá-lo como manda o figurino. Não é
raro encontrar jovens freqüentando cursos totalmente
fora de sua área de trabalho, consultando profissionais
ou colecionando material de pesquisa sobre o objetivo futuro.
Por que essa precocidade toda, dedicar-se a um plano B quando
o A mal foi iniciado? "Impulsionadas pelo desejo de buscar
felicidade ou qualidade de vida ou ainda obrigadas pela caótica
situação financeira do país, parece que
as pessoas estão hoje se movimentando mais. Ter mais
de um interesse na vida virou uma forma de sobrevivência",
diz a psicóloga Dorli Kamkhagi, do Hospital das Clínicas
de São Paulo.
Igor Correa dos Santos, aos 27 anos, guarda quase todo o
salário que ganha no mercado financeiro para capitalizar
o seu plano B: mudar-se de mala e cuia para a praia. "Saber
que posso continuar mudando sempre que precisar é algo
que me faz seguir em frente. E meu pai sempre me apoiou. Isso
também pesa bastante", diz o administrador de
empresas.
Dorli Kamkhagi confirma a importância do incentivo
da família, desde a infância, para que as crianças
tenham mais de um interesse. "Acredito que os jovens
hoje parecem estar mais livres para escolher, têm mais
consciência e opções de busca de qualidade
de vida. Isso é muito positivo, pois assim não
ficam presos a um sonho só e infelizes", diz a
psicóloga.
Daniel Tonet, 26, é outro exemplo dessa nova geração.
Empresário, ele faz um curso de formação
de professores de ioga. "Acho até que tive muita
sorte por descobrir um plano B antes dos 30 anos. Muitas pessoas
demoram anos para reconhecê-lo", diz ele.
Mas todo mundo tem o seu plano B na manga, aliás,
mantém secretamente um ou mais projetos de vida futuros.
Se esse não é o seu caso, pode ser que esteja
com dificuldade de identificá-lo. "Nem todos conseguem
enxergá-lo ou têm coragem para realizá-lo,
mas ele está lá. Aliás, quem não
concretiza o sonho não se completa, fica sempre no
meio do caminho. E, assim, partir para um segundo estágio
de vida é sempre mais complicado", diz a psicanalista
Vera Rita de Mello Teixeira, acostumada a dar consultoria
para quem busca uma guinada profissional.
Especialistas da área de recursos humanos e psicólogos
estimulam estratégias de mudança. "São
sempre bem-vindas, ainda mais em um país onde o desemprego
é preocupante. O plano B é saudável por
representar até uma saída de segurança
para momentos difíceis", diz Silvana Case, vice-presidente
executiva do grupo Catho. Depois de trabalhar como "headhunter"
por 18 anos, ela agora está envolvida em seu plano
B: escrever livros.
Mas aquela vontade de "quero mudar, fazer outra coisa",
que volta e meia martela a cabeça de muita gente, tem
de ser bem analisada. "Às vezes, o plano B pode
não ser um sinal de amadurecimento, mas apenas um sonho
da adolescência", diz o psicanalista Armando Colognese,
supervisor do Departamento de Formação em Psicanálise
do Sedes Sapientiae.
Para não cair nessa armadilha, ele aconselha as pessoas
a fazerem uma auto-observação. Um dado que ajuda:
"O que indica quase sempre um plano B é a sensação
de confiança", diz ele.
Confiar no próprio taco é realmente um requisito
indispensável, já que mudanças, em geral,
prevêem dificuldades.
"É claro que as dificuldades existem, mas só
o fato de ver o projeto pronto é o máximo",
conta Paulo Roberto Gomes de Oliveira, que largou um emprego
estável em uma empresa de exportação
para abrir uma pousada em Visconde de Mauá (RJ). "Estou
trabalhando muito mais, mas aconselho a troca. Estou hoje
morando em um lugar maravilhoso", diz o proprietário
de pousada.
Quando isso envolve mudanças de vida estruturais,
como troca de cidade ou viagens prolongadas, a situação
se complica. A orientação, nesses casos, é
procurar apoio num trabalho psicoterapêutico ou pedir
ajuda dos amigos mais próximos e dos familiares. Eles
conhecem bem você, a sua personalidade, e podem ajudá-lo
nessa busca.
Foi o apoio da família que levou o médico Eduardo,
35 (ele prefere não ter seu nome identificado) a investir
no plano. Há cinco meses, é aluno assíduo
de um curso técnico de mecânica. Durante o dia,
trabalha na UTI de um hospital e, à noite, volta à
sala de aula para entender melhor o que faz um motor se fundir.
"Sempre gostei de mecânica. Hoje tenho tempo e
dinheiro e estou investindo em um sonho antigo. Quero abrir
uma oficina mecânica quando ficar mais velho. Muita
gente acha que eu sou louco, mas estou em paz e feliz com
a minha decisão", diz o médico.
KARINA KLINGER
da Folha de S.Paulo
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