Numa sociedade
em que a palavra qualificação é tida
como sinônimo de ascensão, profissionais e estudantes
de qualquer idade sentem-se cada vez mais pressionados a aprender.
Mas, ao voltar aos bancos escolares, descobrem que a corrida
pelo conhecimento não é de curta distância,
mas uma maratona sem linha de chegada.
Alguns indicadores ajudam a entender a dimensão dessa
prova. De acordo com a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
do Ministério da Educação), o número
de matrículas em cursos de doutorado saltou de quase
10 mil, em 1989, para 40 mil, em 2003. Já as matrículas
de mestrado subiram de 32 mil para 72 mil no mesmo período.
Não há dados nacionais sobre matrículas
em MBAs, uma das pós-graduações mais
procuradas pelos executivos. Mas, por exemplo, a procura pela
pós-graduação do IBTA, em São
Paulo, cresceu 291% nos últimos dois anos. Verifica-se
o crescimento também no nível de graduação,
que recebeu 1,3 milhão de novos alunos entre 1998 e
2002, segundo o Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, ligado ao MEC).
Nessa corrida, o comerciário Antônio Pacheco
Filho percebeu que estava perdendo terreno e decidiu investir
na própria formação. Aos 45 anos, Pacheco
mora em Sorocaba, mas trabalha a cerca de 100 km de distância,
em Campinas, ambas cidades do interior de São Paulo.
Para graduar-se em gestão de finanças em sua
cidade, no ano passado, aproveitava o trajeto de carro e estudava
na estrada, ouvindo as mais de 400 fitas cassete das aulas
que gravou ao longo do curso. No ano passado, iniciou um MBA,
também em Sorocaba. O "investimento" de Pacheco
chega a R$ 24 mil. "Eu estava preocupado por ter chegado
aos 40 anos e percebi que precisava melhorar minha formação,
por isso investi nesses cursos", explica.
No entanto, Pacheco ainda não vê a linha de
chegada. No ano que vem, pretende fazer um mestrado para traçar
um novo caminho: quer iniciar uma vida acadêmica e dar
aulas. Compensa? Ele acredita que sim. "Nesses 30 meses
seguidos de aula, não perdi nada, só ganhei",
avalia.
Assim como Pacheco, não há profissional que
não se sinta pressionado a aprender sempre mais, mesmo
aqueles que trabalham em instituições que, por
séculos, pareciam estar protegidas dos efeitos da aceleração
do tempo, como as bibliotecas.
É o caso da bibliotecária Juliana Ortega, 26.
Entre os investimentos em educação que vem fazendo
desde 2001, como um MBA e especializações, Juliana
participou neste ano de quatro cursos, dois deles simultaneamente:
o de documentação e informação
jurídica e o de gerenciamento eletrônico de documentos.
"Com essa atualização constante, ganhei
mais consideração da empresa. A minha diretora
quer que eu, de algum modo, divulgue aos demais funcionários
aquilo que aprendi", conta.
Para Maria Tereza Fleury, diretora da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da USP, o mundo
contemporâneo não oferece alternativa. "O
conhecimento é, hoje, o fator que mais agrega valor
às pessoas, aos produtos e aos serviços",
diz.
"Essa produção imensurável de informações
faz com que todos estejamos sujeitos a algum nível
de obsolescência", afirma o engenheiro Luiz Barco,
65, professor da Escola de Comunicações e Artes
da USP. Há estudos que dizem que a quantidade de informações
a que um cidadão do século 19 era exposto em
80 anos de vida equivaleria ao conteúdo da edição
dominical do jornal norte-americano "The New York Times".
De acordo com Barco, para entender o cenário atual,
basta comparar o mundo das tecnologias com a construção
de uma casa. "O tempo passou, e as técnicas construtivas
são, na essência, semelhantes", diz. "Mas,
no campo tecnológico, as mudanças são
assustadoramente velozes e nos obrigam a estudar continuamente",
compara.
É preciso aprender —e disso ninguém mais
duvida. Mas não há consenso sobre o fato de
o caminho da promoção profissional passar necessariamente
pelo diploma. Segundo o consultor organizacional José
Ernesto Bologna, antes de entrar em uma corrida desenfreada
por conhecimento, é preciso ter consciência de
que não há garantia de louros ao final.
"É uma grande ilusão achar que comprar
educação é automaticamente comprar progresso",
diz Bologna. Segundo ele, não há estudos que
comprovem que o sucesso na vida profissional seja decorrente
da quantidade de títulos.
E não basta olhar para a quantidade. Mesmo a qualidade
tem sua ponderação: o conteúdo ou o formato
de um programa não vale por si só, mas deve
realmente trazer algum ganho de conhecimento para o aluno
—o tal "valor agregado". A consultora Ana
Maria Cadavez, gerente sênior da KPMG Consultoria, não
vê, por exemplo, muita utilidade nos concorridos MBAs
para profissionais já maduros, a não ser que
estejam à procura de novos contatos e relacionamentos.
Da mesma forma, enquanto os mestrados são considerados
importantes como qualificação para o mercado
de trabalho, os doutorados são mais indicados para
quem quer permanecer na pesquisa.
Mas o empenho dos indivíduos em buscar formação
é visto com bons olhos por alguns consultores, pois
pode indicar visão de longo prazo no planejamento da
própria trajetória profissional. "Quando
avalio o currículo de um executivo, procuro verificar
o alcance de sua visão, e a preocupação
com educação continuada revela isso", conta
Robert Wong, diretor da Korn/Ferry Internacional, multinacional
especializada na recolocação de executivos.
Em suas palestras, Wong costuma comparar os funcionários
de uma empresa aos de um restaurante. "Sempre há
garçons que querem apenas uma gorjeta maior, outros
que pretendem ser gerentes e ainda aqueles que sonham com
o negócio próprio." Para o consultor, o
histórico da formação do profissional
mostra que caminho ele tomou em sua vida.
Maria Tereza Fleury acredita que, antes de se decidir entre
as várias formas de aprimoramento da atividade profissional,
o mais importante é se perguntar para onde quer dirigir
a própria carreira e avaliar quais são as suas
deficiências —ou seus "gaps", na linguagem
das empresas.
Foi assim com o professor universitário e coordenador
pedagógico de cursos a distância Ricardo Carvalho
Rodrigues, 38, que já fez cerca de 40 cursos livres,
os quais, segundo ele, "significaram um aprofundamento
em questões que eram importantes em determinado momento".
Ou seja, ele procurou preencher os seus "gaps".
"O importante é buscar, na hora certa, o curso
certo, que atenda às suas necessidades específicas.
Nunca fiz um curso aleatoriamente, apenas por fazer",
afirma Rodrigues. Ele fez mestrado em educação
e agora cursa doutorado na mesma área.
Mas atenção: ao fazer planos, não se
deve pensar apenas nos conteúdos a serem aprendidos.
"O mercado vai olhar para a sua competência, ou
seja, o saber fazer, e não para o seu estoque de informação",
explica a professora. "Hoje pouco adianta ser um expert
em áreas técnicas, como logística, se
o executivo não souber motivar, desenvolver e reter
os profissionais de sua equipe", acrescenta Wong.
São talentos pouco palpáveis, mas decisivos,
que estão em alta e podem fazer a diferença.
"A especialização chegará a tal
ponto que, futuramente, os salários serão pagos
de acordo com as competências das pessoas, e não
mais conforme a sua formação profissional",
prevê a consultora Elisabeth Vargas, diretora da IDS
Scheer, multinacional alemã na área de gestão
do conhecimento.
"Por isso é preciso estar atento às habilidades
de que a empresa necessita e, sobretudo, gostar muito do que
faz e ter a carreira como um projeto de realização
pessoal", diz Elisabeth. "O que traz prazer para
as pessoas poderá trazer competitividade para a empresa",
conclui.
O prazer é um dos combustíveis que permitem
o estudo contínuo. O bancário Alexandre Garrido,
31, sabe bem disso. Ele nunca deixou de estudar por períodos
superiores a seis meses e calcula ter gastado R$ 100 mil em
educação. Depois de fazer dois MBAs, entremeados
por cursos de línguas e outras especializações,
pretende engatar um mestrado no ano que vem, ao qual quer
dedicar pelo menos 30 horas semanais de estudo.
"Não vejo a busca pela educação
continuada como um fardo. Sei da importância disso e
faço porque gosto", diz. "Desde a época
em que fiz meu primeiro MBA, meu salário mais que triplicou.
Se eu tivesse me mantido no mesmo cargo, meu salário
estaria apenas 10% maior", calcula. Para Garrido, os
cursos não foram os únicos responsáveis
pelas promoções, mas, "que ajudaram, ajudaram".
A mesma sorte não teve ainda a arquiteta Ana Regina
Cuperschmid, 28, que atualmente trabalha com projetos para
a internet. Ela fez especialização no Canadá
e um MBA, mas não viu o retorno desse investimento.
Com os cursos que fez, quer recolocar-se na carreira, ampliando
suas possibilidades profissionais. "Não consegui
ganhar para pagar o que gastei, mas sei que essa espera também
faz parte do processo."
Nada garante que o retorno voltará, mas Ana Regina
caminhou na direção correta. "Investir
em formação vale a pena quando se tem claro
aonde se quer chegar", afirma Maria Tereza Fleury. Para
Yara Rezende, professora de pós-graduação
em gestão do conhecimento do Senac-SP, o principal
é ter certeza de que a informação adquirida
será transformada em conhecimento —não
apenas para o uso imediato mas para a vida. "De nada
adianta ler todos os livros sobre um assunto se não
formos capazes de processar a informação e criar
algo novo com base no que lemos", diz.
"O conhecimento profissional deve ajudar a desenvolver
a sabedoria de viver. Profissão e vida são inseparáveis",
diz Fernando Becker, professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Então relaxe, respire fundo e pense bem qual é
o caminho que vai tomar. Sobretudo porque a época em
que vivemos oferece muita informação, mas em
troca cobra sabedoria, o que é algo bem diferente.
As informações são
da Folha Online.
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