Entidades
de defesa dos direitos humanos começaram a se mobilizar
ontem para tentar impedir a mudança no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), em vigor há
14 anos e que limita o prazo de reclusão para reeducação
de infratores a três anos. A nova versão, combatida
pelas entidades, está tramitando no Congresso e prevê
detenções por até 27 anos, segundo o
relatório do deputado Vicente Cascione (PTB-SP), vice-líder
do governo na Câmara. O relatório deve ser analisado
hoje pela comissão especial que estuda as mudanças
no estatuto.
Pressão no congresso
Representantes de pelo menos cem entidades que trabalham
com crianças e adolescentes pretendem convencer deputados
e o governo de que a mudança não deve ser feita.
Eles devem começar hoje de manhã a procurar
os deputados, antes da votação. Os motivos,
segundo o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Movimento
Nacional de Direitos Humanos, são legais, além
de sociais.
"O deputado Cascione tenta dar um drible na Constituição",
disse Alves.
Absurdo completo
Segundo as entidades, a mudança é inconstitucional
porque transforma uma medida socioeducativa em pena. Pela
Constituição, menores são inimputáveis.
Como não existe pena para menores infratores, o ECA
estabelece como devem ocorrer as medidas socioeducativas.
Mas o ECA, de acordo com essas ONGs, geralmente é desrespeitado
pelos governos estaduais, que transformam em prisões,
inclusive com tortura, os espaços destinados à
reeducação.
"Essa proposta do deputado é um absurdo completo,
pois disfarçadamente trata crianças e adolescentes
como criminosos. E revela uma ingenuidade: quer remover os
efeitos e não as causas (da criminalidade juvenil)",
disse o jurista Dalmo de Abreu Dallari.
Segundo Dallari, os casos de crimes hediondos, citados por
Cascione, podem ser revolvidos pelos próprios juízes.
Eles podem aplicar medidas excepcionais, em nome da segurança
da sociedade. Mesmo depois de cumprida a pena, o acusado pode
ser mantido em estabelecimentos hospitalares ou educativos,
disse Dallari.
Pena de até 27 anos
Alves afirma que as mudanças legais para a
execução de medidas socioeducativas mais duras
para crimes graves praticados por menores já estão
sendo discutidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente (Conanda). As regras tratam da peculiaridade
de uma pessoa em fase de desenvolvimento e formação.
'Não entendemos por que essa mudança inconstitucional
deva partir da cabeça de um único parlamentar,
que tem o cargo de vice-líder do governo. O relatório
é tão absurdo que, pelas regras propostas, um
adolescente de 14 anos poderia receber uma pena de 27 anos,
quase o dobro de sua idade. Isso contraria qualquer técnica
de tratamento para desenvolvimento de um jovem", disse
Alves.
SORAYA AGGEGE
do jornal O Globo
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