Mães,
donas-de-casa, empresárias, professoras, voluntárias,
domésticas, dentistas, médicas, jornalistas,
sindicalistas, universitárias, sem teto, sem terra,
entre outras. O que elas têm em comum? Estão
entre 89 milhões de mulheres que residem no Brasil.
Trata-se de uma população que predomina apenas
em número diante do sexo masculino, já que os
homens estão em torno de 84 milhões e 900 mil.
No entanto, a pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais
2004, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), comprova mais uma vez as barreiras que muitas ainda
enfrentam.
De acordo com os dados da pesquisa do IBGE, cerca de 49%
das mulheres ganham até um salário mínimo,
um percentual superior que os homens, que fica em 32%. Apesar
do aumento de escolaridade, em que as mulheres têm em
média sete anos de estudo e os homens 6,8, o público
feminino está entre os mais afetados pela desocupação.
Em 2003, esta taxa do país sofreu um ligeiro aumento
indo para 9,7%. Esse índice foi mais influenciado pela
procura da mulher por trabalho cuja taxa de 12,3% superou
o índice masculino.
Para Aparecida Maria de Almeida, presidente do Conselho
Estadual da Condição Feminina de São
Paulo, as mulheres estão aumentando suas responsabilidades
no trabalho, mas sua remuneração continua desigual
em relação aos homens, mesmo em cargos iguais.
"Há políticas públicas voltadas
para a igualdade do trabalho, mas poucas empresas promovem
essa isonomia em salários e cargos entre homens e mulheres.
Geralmente, os cargos de poder de decisão ficam ainda
para homens e somos poucas na liderança", afirma
Aparecida.
"Não queremos conquistar o espaço de
ninguém. Só não é cabível
este preconceito comprovado nos dados do IBGE. Nós
queremos ser reconhecidas como profissionais e nos preparamos
para o mercado de trabalho. As políticas públicas
ajudam, cobram um posicionamento e buscam um equilíbrio
na sociedade", disse Aparecida.
O Conselho Estadual da Condição Feminina de
São Paulo existe há 22 anos e foi o primeiro
órgão institucional criado na América
Latina e no Brasil para assessorar nas questões de
defesa e melhoria dos direitos das mulheres. Trata-se de um
órgão de caráter consultivo e promove
a troca de experiência com outras organizações
que querem atender este público. "Procuramos viver
em rede de coletividade, de cooperação em todos
os sentidos. Ensinar a todos e estimular a criação
destes conselhos", afirma Aparecida.
De acordo com Aparecida, o Estado de São Paulo tem
41 conselhos, muito aquém, portanto do total de 6500
municípios brasileiros. Isso demonstra que existem
poucos órgãos vinculados ao governo, que lutam
pelos direitos da mulher. A presidente apontou ainda a efetivação
do Programa de Atenção Integral à Saúde
da Mulher (PAISM), que envolve ações nas áreas
da segurança, saúde, justiça, habitação,
trabalho que respeita um sistema de proteção,
além de programas informativos e educativos, que são
necessários para a verdadeira promoção
da igualdade de oportunidades para todas e todos.
Já a pesquisadora Ana Paula Portella, coordenadora
de pesquisa do SOS Corpo Instituto Feminista Para a Democracia
Betânia Ávila, conhece muito bem a realidade
excludente, em que ainda vivem muitas mulheres, pois coordenou
uma pesquisa sobre a mulher no meio rural e comprovou que
muitas enfrentam uma jornada de trabalho semanal de 108 horas,
dormindo apenas cinco horas por, enquanto os homens enfrentam
73 horas de trabalho e têm sete de sono. Estas mulheres
não têm acesso direto ao dinheiro, já
que os homens ficam responsáveis pela comercialização
dos animais e produtos mais caros, deixando as mulheres cuidarem
do comércio de galinhas.
"Vale a pena citar que os valores médios dos
animais comercializados por homens e mulheres: um boi custa
cerca de R$ 800, um porco pode ser vendido por R$ 120 e uma
cabra por R$ 70; já uma galinha, único animal
comercializado pelas mulheres alcança o preço
máximo de R$ 10". Este é um trecho da conclusão
da pesquisa, que demonstra o lucro do homem em relação
ao da mulher no meio rural.
A pesquisa foi qualitativa e realizada por mulheres do Movimento
das Mulheres Trabalhadoras Rurais no Nordeste (MMRN), que
participaram de todos os processos do trabalho, da construção
do objeto da ação até entrevistas de
campo, facilitando o desenvolvimento do projeto já
que elas tinham concepção dos problemas de muitas
regiões rurais. Foram visitadas sete comunidades rurais
nos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Ceará.
O que mais chamou atenção foi a pobreza na
maioria das comunidades e ausência de políticas
públicas essenciais (saneamento básico, postos
de saúde, escolas, água, eletricidade, alimentos,
postos policiais e outros serviços). De acordo com
as observações de Ana, as mulheres são
ausentes de comercialização e participam apenas
da mão-de-obra e não da venda. Geralmente, elas
não têm acesso ao dinheiro e aos fornecedores,
enquanto os homens ficam responsáveis pelas atividades
mais rentáveis como a agricultura e pecuária.
Conclui-se que, para ter uma eqüidade de gêneros
nessas regiões, é preciso que as políticas
públicas levem em consideração o questionamento
dos padrões familiares como orientadores da vida econômica
e social, já que podem perpetuar desigualdades. "Precisa
de um estímulo na correção dos salários,
uma fiscalização mais rígida, uma punição
nos altos salários e atacar de frente aquelas questões
feministas. Tem que ter a superação das desigualdades.
Ou seja, uma construção de uma nova mentalidade",
defende Ana.
ONGs: A saída para muitas mulheres
Diante de tanta desigualdade entre homens e mulheres e relações
ainda patriarcais, muitas ingressam no terceiro setor, principalmente
em organizações não-governamentais (ONGs)
ou lideram movimentos sociais para defenderem seu gênero.
"A presença feminina nas atividades e entidades
do terceiro setor é indiscutivelmente grande, mas ainda
é aconselhável verificar a direção
e mando destas organizações e onde estão
as mulheres", revela Aparecida.
A pesquisadora Leilah Landim realizou uma pesquisa sobre
O Perfil das Organizações de Mulheres no Brasil,
entre março e agosto de 2002, com objetivo de traçar
um perfil das entidades não-governamentais que trabalham
com questões relacionadas à mulher no país.
Foram enviados 390 questionários, sendo que 105 tiveram
respostas e possibilitaram a viabilização da
pesquisa.
A maioria destas organizações foram fundadas
por lei na década de 90, sendo que as mulheres que
se articulam nessa rede como ativistas e especialistas nas
questões de direitos da mulher. Cerca de 85% das organizações
participantes da pesquisa e a promoção de direitos
das mulheres como tipo de atividades empreendidas. Número
de voluntários, de pessoas atingidas pelo trabalho
da entidade e formas de associações também
foram abordados na pesquisa.
Além disso, foi expressiva a quantidade de entidades
que afirmaram não contar com pessoal pago. Cerca de
72 entidades contam com 920 pessoas pagas, sendo 802 mulheres
e 118 homens. Mas apenas as organizações que
possuem pessoal pago têm uma média de 12,7 pessoas
remuneradas por entidade sendo cerca de 11 mulheres e 1,6
homens.
Segundo Leilah, as mulheres possuem uma relação
muito forte com a parte assistencial. Antes a mulher era muito
presa por uma educação patriarcal e sua oportunidade
para ir no espaço público era por meio de trabalhos
de caridade nas igrejas. "Muitas entidades, ONGs e pequenas
associações de mulheres começam a falar
agora a linguagem de direitos humanos, políticas públicas.
Elas passam a atuar mais na sociedade por meio destas associações.
Isso mexe na relação patriarcal", aponta
Leilah.
Para Luís Carlos Merege, coordenador do Centro de
Estudos do Terceiro Setor da FGV (Fundação Getúlio
Vargas), as mulheres possuem uma formação, que
facilita muitas ingressarem no terceiro setor. Ou seja, muitas
são psicólogas, assistentes sociais ou ligadas
a áreas da saúde. Além disso, as lideranças
surgem muitas vezes na própria comunidade, já
que as mulheres se destacam pela sensibilidade.
"Elas começam a cuidar das crianças dos
vizinhos. Mais tarde, passam a montar e coordenar uma creche
comunitária. Uma das características das organizações
é ter muitas mulheres, apesar que nos últimos
anos vem aumentando o número de homens interessado
em trabalhar no terceiro setor. Percebo pela procura dos cursos,
antes eram apenas mulheres, mas agora está ocorrendo
uma diversidade", salienta Merege.
"A presença feminina não é mais
fato novo. As mulheres têm uma tradição
e uma vocação meio que espontânea para
atuar e promover mobilizações buscando melhorias
para suas comunidades. Por exemplo, a luta por creches, pelo
asfalto na rua, pela rede de esgotos, pela melhoria do atendimento
nas escolas e nos postos de saúde, entre outros",
ressalta Aparecida.
8 de março: Alas coloridas marcarão manifestação
na Paulista
A Marcha Mundial das Mulheres, uma ação do
movimento feminista internacional de luta contra a pobreza
e violência sexista, está mobilizando um ato
nacional entre mulheres de entidades sindicais, rurais, estudantes,
sem teto, movimento de mulheres negras, partidos políticos,
entre outras."Os dados do IBGE são apenas mais
uma indicação que a mulher permanece subalterna
em muitos aspectos. É preciso sempre lutar por essa
mudança. Acreditamos num trabalho conjunto contra a
opressão mundial", afirma Júlia Di Giovanni,
da Marcha Mundial das Mulheres.
De acordo com Júlia, esta relação desigual
deve-se à forma como a sociedade está organizada,
que favorece a opressão na mulher. "Temos ainda
formas patriarcais, organizadas em nossa economia, política
e até no processo de militarização. As
comunicações são regidas pelo patriarcado,
capitalismo e o machismo numa única engrenagem",
defende Júlia.
O dia 8 de Março será marcado por uma passeata
na avenida Paulista, do vão do Museu de Arte de São
Paulo (MASP) em direção à Praça
da República, por volta das 14 horas. Esse protesto
vai dar início ao percurso mundial de denúncia
e divulgação da Carta Mundial das Mulheres para
a Humanidade, que será representada em quatro alas
coloridas. A escolha pelo tema é livre para cada participante.
A ala da igualdade terá a cor laranja, que representará
a questão econômica, salário mínimo,
soberania alimentar e transgênicos, reforma agrária.
A ala da liberdade vai estar com a cor lilás, que defenderá
assuntos como direitos reprodutivos, atenção
integral à saúde da mulher, direito ao aborto
seguro, livre orientação sexual, não
à violência e à mercantilização
do corpo e da vida. A cor verde definirá a ala da justiça
e abordará a discriminação racial, pessoas
com deficiência, luta anti-manicomial, contra a intolerância
religiosa, pela reforma urbana. Já a ala da paz e solidariedade
é marcado pela cor vermelha, que estará contra
a guerra e a militarização, contra os acordos
comerciais e por uma outra integração.
"A Carta Mundial foi elaborada por um grupo internacional.
Foi e voltou umas duas vezes até ser aprovada no 5º
Encontro Internacional da Marcha, em Ruanda, na região
dos Grandes Lagos Africanos, em dezembro de 2004", explica
Júlia. A marcha pretende reunir 30 mil mulheres de
São Paulo, do Quebec, Camarões e Burkina Faso.
O principal objetivo é mobilizar os países de
março a outubro por meio de debates da carta e efetivando
algumas mudanças.
No dia 12 de março, a carta fará sua segunda
parada na atividade Mercosul da Marcha Mundial das Mulheres,
na cidade Porto Xavier (RS). "Através da Marcha
Mundial das Mulheres, nos últimos tempos, estamos tendo
a experiência de criar alianças com outros movimentos
sociais para incorporar suas discussões e aumentar
o movimento de mulheres ativas. Assim, a gente quer mudar
o mundo", declara Júlia.
SUSANA SARMIENTO
do site setor3
|