Nas últimas décadas, como se sabe, as mulheres
vêm ocupando cada vez mais espaço no mercado
de trabalho. No Brasil, um indicador dessa tendência
é o fato de que a participação delas
no universo da população que trabalha ou está
ocupada com alguma atividade saltou, de 1981 até hoje,
de 31,1% para 43,3%, segundo o IBGE. Existe, no entanto, um
segmento em que o número de mulheres supera o de homens
com uma larga vantagem: o terceiro setor.
Na mais recente pesquisa da Associação Brasileira
das ONGs (Abong) sobre o perfil de suas filiadas, feita há
dois anos, foi constatado o predomínio feminino. Nada
menos que 65,7% dos funcionários das 248 organizações
pesquisadas são mulheres. Também neste universo
é evidente a sua ascensão: em uma pesquisa semelhante
feita em 1994, a sua participação era de 55%.
Naquele ano, apesar de serem maioria nas organizações
não governamentais, as mulheres eram diretoras em apenas
33% das ONGs. Atualmente, ocupam funções de
direção em 48,5%.
Mas o que explica essa supremacia feminina no trabalho no
terceiro setor? Dirija esta pergunta a algumas representantes
de ONGs e algo é apontado consensualmente: a identificação
feminina com o trabalho social. “As ONGs trabalham com
assistência social, que é um papel culturalmente
reservado às mulheres”, diz a psicóloga
Telma Torres, coordenadora executiva da Casa de Passagem,
ONG voltada à inserção social de crianças
e adolescentes marginalizados de Recife. Detalhe: há
apenas dez homens entre os 45 funcionários da Casa.
Segundo Telma, a diferença começa nas faculdades,
onde as mulheres são maioria em cursos como psicologia,
serviço social e sociologia.
Para a socióloga e advogada Leila Linhares, diretora
da ONG carioca Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação
e Ação), de defesa de direitos das minorias,
enquanto historicamente o homem vivia o mundo do trabalho
e da política, cabia à mulher o universo familiar.
“Nossa preocupação com a preservação
das crianças nos levou a lutar por questões
concretas como a falta de transporte e de escola e a vala
na rua”, diz Leila, que lembra que as associações
de moradores foram os primeiros canais de atuação
política delas. “A predisposição
feminina ao trabalho nas ONGs é uma decorrência
natural dessa experiência na sociedade civil.”
Fundadora do movimento feminista no Rio de Janeiro, nos anos
1980, ela se diz atraída pelo terceiro setor pela possibilidade
de exercer uma “advocacia pela cidadania”.
Baixa remuneração
A resistência masculina ao trabalho no terceiro
setor também pesa nas estatísticas da Abong.
“Ao assumirem a figura de provedores da família,
os homens voltam sua atenção para oportunidades
melhores. E a maioria esmagadora das ONGs é caracterizada
pela baixa remuneração”, avalia Fabiana
Gorenstein, coordenadora de programa da ONG Save the Children
Suécia, que atua no país há cinco anos.
Opinião semelhante tem Sérgio Baierle, coordenador-geral
da ONG porto-alegrense Cidade (Centro de Assessorias e Estudos
Urbanos), que é um verdadeiro clube da Luluzinha: dez
funcionários, sendo nove mulheres. “Tradicionalmente,
os homens foram cobrados para terem retorno financeiro e os
salários em ONGs são baixos”, diz Baierle.
Essa percepção é confirmada por um recente
episódio no Centro de Ação Comunitária
(Cedac), no Rio de Janeiro. A ONG acaba de fazer uma seleção
para uma vaga de técnico em educação
popular. Dos dez currículos avaliados, só havia
três de homens e o aprovado foi justamente um deles,
que acabou desistindo da vaga por causa do salário
oferecido. “As ONGs não costumam ter uma estabilidade
financeira e isso afasta os homens, mas não as mulheres”,
observa Ana Lúcia Garcia, coordenadora de projetos
do Cedac. Na ONG, hoje trabalham cinco homens e 14 mulheres.
Não é só o dinheiro que faz diferença
para eles. “Os homens têm uma necessidade maior
de visibilidade. São mais competitivos. As mulheres
têm mais coragem do que eles para abrirem mão
de sua carreira para abraçar uma causa que faça
seus olhos brilharem”, opina Liliane Leroux, coordenadora
pedagógica do Comitê de Democratização
da Infomática (CDI), no Rio de Janeiro, entidade onde
atuam 14 mulheres e oito homens.
Por vezes, o trabalho em ONG não é uma opção,
mas necessidade. Foi a dificuldade para encontrar um emprego
em empresas ou órgãos públicos que levou
a socióloga Eliana Graça, de 50 anos, a atuar
como assessora parlamentar na ONG Cfemea, em Brasília.
“Vim premida pelo desemprego. Estou satisfeita com o
que faço, mas não foi uma escolha”, diz.
“Sei que isso acontece em muitos casos.”Segundo
a socióloga Maria Cristina Bruschini, coordenadora
do grupo de pesquisas de gênero da Fundação
Carlos Chagas, em São Paulo, as mulheres têm
comprovadamente mais dificuldade que os homens para se recolocarem
no mercado. Além disso, estão acostumadas a
receber salários menores. “O que a mulher ganha
é, na média, 77% do salário masculino”,
afirma a pesquisadora.
O domínio das mulheres no terceiro setor já
causou até uma história inusitada ouvida por
Fabiana Gorenstein. Segundo ela, certa vez uma ONG se viu
obrigada a contratar um homem para preencher seu quadro formado
só por mulheres. “É fazer uma ação
afirmativa ao avesso. Isso só poderia mesmo acontecer
numa ONG”, conclui a coordenadora de programa da Save
the Children Suécia.
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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