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saúde
05/10/2004
É mais fácil obter remédios contra Aids do que para doenças oportunistas

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o país tem cerca de 600 mil portadores do HIV, vírus da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Desde 1980 e até dezembro de 2003, foram registrados 310.310 casos de AIDS - 220.783 entre os homens e 89.527 entre as mulheres.

Partindo da previsão feita pelo Banco Mundial, de que em 2000 o Brasil teria 1,2 milhão de soropositivos e de outro dado apresentado pelo site do Ministério da Saúde de que entre 1988 e 2003 o país conseguiu reduzir 26% do número de novos casos registrados (de 30 mil para 22 mil casos), o país parece ter avançado bastante no controle da doença. De fato, o Programa Nacional de DST e AIDS tornou-se referência internacional no tratamento a pacientes soropositivos e no acesso universal a medicamentos anti-retrovirais.

No entanto, as organizações da sociedade civil – que, em parte são responsáveis por esse sucesso, já que desde o início da epidemia no Brasil, nos anos 80, pressionam o governo para aperfeiçoar o Programa.

Desconstruindo a "ilha da fantasia"
José Araújo Lima Filho, coordenador geral da Associação François Xavier Bagnoud do Brasil (AFXB) diz que o Programa Nacional de DST e AIDS não pode ser considerado "modelo". Ele explica que existe um "marketing governamental muito grande em todo o Programa e as organizações da sociedade civil não estão conseguindo concorrer com isso. Mas o papel das ONGs é desfazer a 'ilha da fantasia' que se criou sobre o Programa brasileiro de combate ao HIV/AIDS".

Para ele, apesar de o acesso ao coquetel de medicamentos ser relativamente fácil (e isso é de competência do governo federal), o acesso aos medicamentos básicos, que combatem as doenças oportunistas e são distribuídos pelos Estados e municípios ainda está longe do ideal.

Essa incoerência, na opinião de José Araújo, é um desafio que deve ser superado. "Se não houver um efetivo envolvimento por parte das três esferas de governo, a meta não vai ser atingida. Além disso, estamos longe de reverter o quadro atual. Nos Estados do Sul do país, por exemplo, a epidemia continua crescendo, inclusive entre as mulheres que têm um único parceiro. O fenômeno da pauperização também vem se agravando", afirma.

Os números do último boletim epidemiológico sobre a AIDS, de dezembro de 2003, confirmam. Embora a taxa de mortalidade por AIDS venha mantendo tendência de estabilização desde 1999 (com média de 6,3 óbitos por 100 mil habitantes nos últimos três anos), nas regiões Norte, Nordeste e Sul do Brasil, a mortalidade (sobretudo das mulheres), aumentou. A região Sul (que tinha taxas de mortalidade inferiores às do Sudeste) equiparou-se com essa região. E desde 2001, a região Sul também ultrapassou o Sudeste em número de novos casos. Juntos, Sul e Sudeste do país somam 84,8% dos casos brasileiros de HIV/AIDS.

Preocupação com a infância
Outro ponto que preocupa os ativistas do movimento contra AIDS, como Elizabete Franco Araújo, é com relação à infecção de crianças. Ela alerta que apenas 40% das mulheres recebe a profilaxia (medidas preventivas) adequada para evitar a transmissão vertical do vírus (de mãe para filho).

Elizabete comenta que esse programa deveria ser ampliado porque, quando o teste de HIV é aplicado durante o pré-natal e a gestante é acompanhada, a chance de o bebê nascer com o vírus é muito baixa. "Hoje, nenhuma criança precisaria nascer com o vírus", afirma. A ativista ainda enfatiza que, com relação a outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, a cobertura da profilaxia é ainda menor. Apenas 9% das mulheres têm tratamento e orientação adequados para evitar a transmissão vertical.

De acordo com Armand Pereira, diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil e também presidente do Grupo Temático do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), a cobertura do tratamento preventivo contra a transmissão do HIV para o recém-nascido está melhorando em função do Projeto Nascer, que visa ampliar o diagnóstico precoce da doença e melhorar a qualidade do atendimento pré-natal dessas gestantes.

Prevenção deve ser trabalhada
Elizabete acredita que a prevenção é um grande desafio para o Brasil. Para isso, ela diz que também é preciso mudar a forma como a mídia retrata o problema. "Ainda não se conseguiu mudar a visão de que toda a sociedade está vulnerável à doença porque a Aids não tem cara. A campanha 'A Aids mata' está ainda muito presente no imaginário da população. Mas ela é encarada como algo distante do cotidiano das pessoas", avalia. José Araújo acrescenta que as campanhas não contemplam a diversidade cultural brasileira. "As pessoas, portanto, não se identificam e o efeito da campanha fica aquém do esperado. É preciso regionalizar as campanhas", diz.

Trabalhar o preconceito também se faz necessário. Elizabete considera ser necessário divulgar mais informações sobre a doença e ampliar os programas de atendimento aos adolescentes em geral e também aos portadores do HIV. Sobre a infecção de jovens com vírus do HIV, o Relatório sobre a Situação da População Mundial 2004, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), revela que dos 5 milhões de pessoas que foram infectadas em todo o mundo em 2003, metade eram jovens entre 15 e 24 anos.

"O Brasil tem um ótimo Programa Nacional, mas não é suficiente. Os desafios são enormes e por isso tenho dúvidas se a meta será ou não alcançada", diz Elizabete Franco Cruz. Já o representante do UNAIDS, Armand Pereira, acredita que o Brasil tem todos os "ingredientes" para atingir não só o sexto, mas também o oitavo ODMs (estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento).

Para ele, embora o Programa Nacional de DST e Aids não seja perfeito, é uma resposta de "extrema importância" ao combate à doença no mundo. "O Brasil está desenvolvendo um importante trabalho de cooperação entre os países em desenvolvimento, que abre janelas e portas para expansão de alianças entre países do Norte/Sul e Sul/Sul. Isso é importante inclusive para atingir outros objetivos de desenvolvimento do milênio", afirma.

Contudo, pondera que os desafios do país estão associados à prevenção e ao enfrentamento das doenças que muitas vezes estão associadas ao HIV, como a tuberculose e a malária. Ele diz que os indicadores dessas enfermidades estão melhorando, mas muito lentamente. 25% dos registros de tuberculose estão associados aos casos de Aids e 99% dos casos de malária estão localizados na Amazônia Legal.

O representante da UNAIDS chama atenção ainda para o caso da hanseníase no Brasil. O país tem indicadores quatro vezes piores do que os valores considerados aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde (que seriam de 1 caspo por 10 mil habitantes). O Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, lançado em setembro pelo governo federal e pela ONU, mostra que o Brasil ocupa o primeiro lugar do mundo nos índices de prevalência da hanseníase e o segundo lugar no número de novos casos da doença. As áreas de maior risco são os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Armand Pereira acredita que um importante ambiente para se trabalhar a prevenção das DST/Aids é o espaço de trabalho, pois se constatou que 70% das vítimas do HIV fazem parte da População Economicamente Ativa (PEA) e trabalham. Nesse sentido, ele enfatiza que o Conselho Empresarial Nacional para Prevenção ao HIV/Aids (CEN), que reúne o Ministério da Saúde e dezenove empresas privadas do Brasil (Abril, Almap BBDO, Avon, Bradesco, Brasil Telecom, CNC/Senac/Sesc, CNI/SESI, CNT-Sest/Senat, Embraer, Febrafarma, Grupo Severiano Ribeiro, MTV, Natura, Nestlé, Philips, Unibanco, Unilever, Varig/Fundação Rubem Berta e Volkswagen) tem um forte papel.

Quebra de patentes
De acordo com Christina Zackiewicz, assessora da América Latina para a DNDi (Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas), a quebra de patentes é um ponto-chave rumo ao cumprimento do sexto ODM.

Conforme explica Armand Pereira, apesar de o Brasil estar realizando esforços internacionais para quebrar as patentes dos medicamentos, utilizando drogas não-patenteadas no tratamento anti-retroviral, ações devem ser intensificadas. Caso contrário, o acesso universal ao tratamento, a distribuição de medicamentos gratuitos - pontos fortes do Programa Nacional - ficarão comprometidos.

Christina acrescenta que, diante do atual sistema de saúde brasileiro, a meta proposta pela Organização das Nações Unidas é um desafio muito grande. O preço dos medicamentos é muito alto, o diagnóstico de doenças como a tuberculose é precário e o tratamento é de longa duração. Para ela, o primeiro passo é melhorar o diagnóstico das doenças chamadas negligenciadas e criar medicamentos, de domínio público, mais eficazes ao tratamento.

Por outro lado, Armand adverte que a negociação sobre a quebra das patentes não pode desencorajar as empresas que estudam novas drogas a pararem suas pesquisas. A maior parte das novas pesquisas sobre DST/AIDS são feitas pelas indústrias farmacêuticas comerciais. Se elas suspendessem esse trabalho, o combate a essas doenças seria dificultado.

 

LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3

   
 
 
 

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