De acordo
com dados do Ministério da Saúde, o país
tem cerca de 600 mil portadores do HIV, vírus da AIDS
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Desde
1980 e até dezembro de 2003, foram registrados 310.310
casos de AIDS - 220.783 entre os homens e 89.527 entre as
mulheres.
Partindo da previsão feita pelo Banco Mundial, de
que em 2000 o Brasil teria 1,2 milhão de soropositivos
e de outro dado apresentado pelo site do Ministério
da Saúde de que entre 1988 e 2003 o país conseguiu
reduzir 26% do número de novos casos registrados (de
30 mil para 22 mil casos), o país parece ter avançado
bastante no controle da doença. De fato, o Programa
Nacional de DST e AIDS tornou-se referência internacional
no tratamento a pacientes soropositivos e no acesso universal
a medicamentos anti-retrovirais.
No entanto, as organizações da sociedade civil
– que, em parte são responsáveis por esse
sucesso, já que desde o início da epidemia no
Brasil, nos anos 80, pressionam o governo para aperfeiçoar
o Programa.
Desconstruindo a "ilha da fantasia"
José Araújo Lima Filho, coordenador
geral da Associação François Xavier Bagnoud
do Brasil (AFXB) diz que o Programa Nacional de DST e AIDS
não pode ser considerado "modelo". Ele explica
que existe um "marketing governamental muito grande em
todo o Programa e as organizações da sociedade
civil não estão conseguindo concorrer com isso.
Mas o papel das ONGs é desfazer a 'ilha da fantasia'
que se criou sobre o Programa brasileiro de combate ao HIV/AIDS".
Para ele, apesar de o acesso ao coquetel de medicamentos
ser relativamente fácil (e isso é de competência
do governo federal), o acesso aos medicamentos básicos,
que combatem as doenças oportunistas e são distribuídos
pelos Estados e municípios ainda está longe
do ideal.
Essa incoerência, na opinião de José
Araújo, é um desafio que deve ser superado.
"Se não houver um efetivo envolvimento por parte
das três esferas de governo, a meta não vai ser
atingida. Além disso, estamos longe de reverter o quadro
atual. Nos Estados do Sul do país, por exemplo, a epidemia
continua crescendo, inclusive entre as mulheres que têm
um único parceiro. O fenômeno da pauperização
também vem se agravando", afirma.
Os números do último boletim epidemiológico
sobre a AIDS, de dezembro de 2003, confirmam. Embora a taxa
de mortalidade por AIDS venha mantendo tendência de
estabilização desde 1999 (com média de
6,3 óbitos por 100 mil habitantes nos últimos
três anos), nas regiões Norte, Nordeste e Sul
do Brasil, a mortalidade (sobretudo das mulheres), aumentou.
A região Sul (que tinha taxas de mortalidade inferiores
às do Sudeste) equiparou-se com essa região.
E desde 2001, a região Sul também ultrapassou
o Sudeste em número de novos casos. Juntos, Sul e Sudeste
do país somam 84,8% dos casos brasileiros de HIV/AIDS.
Preocupação com a infância
Outro ponto que preocupa os ativistas do movimento
contra AIDS, como Elizabete Franco Araújo, é
com relação à infecção
de crianças. Ela alerta que apenas 40% das mulheres
recebe a profilaxia (medidas preventivas) adequada para evitar
a transmissão vertical do vírus (de mãe
para filho).
Elizabete comenta que esse programa deveria ser ampliado
porque, quando o teste de HIV é aplicado durante o
pré-natal e a gestante é acompanhada, a chance
de o bebê nascer com o vírus é muito baixa.
"Hoje, nenhuma criança precisaria nascer com o
vírus", afirma. A ativista ainda enfatiza que,
com relação a outras doenças sexualmente
transmissíveis, como a sífilis, a cobertura
da profilaxia é ainda menor. Apenas 9% das mulheres
têm tratamento e orientação adequados
para evitar a transmissão vertical.
De acordo com Armand Pereira, diretor da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil e também
presidente do Grupo Temático do Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), a cobertura
do tratamento preventivo contra a transmissão do HIV
para o recém-nascido está melhorando em função
do Projeto Nascer, que visa ampliar o diagnóstico precoce
da doença e melhorar a qualidade do atendimento pré-natal
dessas gestantes.
Prevenção deve ser trabalhada
Elizabete acredita que a prevenção
é um grande desafio para o Brasil. Para isso, ela diz
que também é preciso mudar a forma como a mídia
retrata o problema. "Ainda não se conseguiu mudar
a visão de que toda a sociedade está vulnerável
à doença porque a Aids não tem cara.
A campanha 'A Aids mata' está ainda muito presente
no imaginário da população. Mas ela é
encarada como algo distante do cotidiano das pessoas",
avalia. José Araújo acrescenta que as campanhas
não contemplam a diversidade cultural brasileira. "As
pessoas, portanto, não se identificam e o efeito da
campanha fica aquém do esperado. É preciso regionalizar
as campanhas", diz.
Trabalhar o preconceito também se faz necessário.
Elizabete considera ser necessário divulgar mais informações
sobre a doença e ampliar os programas de atendimento
aos adolescentes em geral e também aos portadores do
HIV. Sobre a infecção de jovens com vírus
do HIV, o Relatório sobre a Situação
da População Mundial 2004, realizado pelo Fundo
de População das Nações Unidas
(UNFPA), revela que dos 5 milhões de pessoas que foram
infectadas em todo o mundo em 2003, metade eram jovens entre
15 e 24 anos.
"O Brasil tem um ótimo Programa Nacional, mas
não é suficiente. Os desafios são enormes
e por isso tenho dúvidas se a meta será ou não
alcançada", diz Elizabete Franco Cruz. Já
o representante do UNAIDS, Armand Pereira, acredita que o
Brasil tem todos os "ingredientes" para atingir
não só o sexto, mas também o oitavo ODMs
(estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento).
Para ele, embora o Programa Nacional de DST e Aids não
seja perfeito, é uma resposta de "extrema importância"
ao combate à doença no mundo. "O Brasil
está desenvolvendo um importante trabalho de cooperação
entre os países em desenvolvimento, que abre janelas
e portas para expansão de alianças entre países
do Norte/Sul e Sul/Sul. Isso é importante inclusive
para atingir outros objetivos de desenvolvimento do milênio",
afirma.
Contudo, pondera que os desafios do país estão
associados à prevenção e ao enfrentamento
das doenças que muitas vezes estão associadas
ao HIV, como a tuberculose e a malária. Ele diz que
os indicadores dessas enfermidades estão melhorando,
mas muito lentamente. 25% dos registros de tuberculose estão
associados aos casos de Aids e 99% dos casos de malária
estão localizados na Amazônia Legal.
O representante da UNAIDS chama atenção ainda
para o caso da hanseníase no Brasil. O país
tem indicadores quatro vezes piores do que os valores considerados
aceitáveis pela Organização Mundial da
Saúde (que seriam de 1 caspo por 10 mil habitantes).
O Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, lançado em setembro
pelo governo federal e pela ONU, mostra que o Brasil ocupa
o primeiro lugar do mundo nos índices de prevalência
da hanseníase e o segundo lugar no número de
novos casos da doença. As áreas de maior risco
são os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Armand Pereira acredita que um importante ambiente para
se trabalhar a prevenção das DST/Aids é
o espaço de trabalho, pois se constatou que 70% das
vítimas do HIV fazem parte da População
Economicamente Ativa (PEA) e trabalham. Nesse sentido, ele
enfatiza que o Conselho Empresarial Nacional para Prevenção
ao HIV/Aids (CEN), que reúne o Ministério da
Saúde e dezenove empresas privadas do Brasil (Abril,
Almap BBDO, Avon, Bradesco, Brasil Telecom, CNC/Senac/Sesc,
CNI/SESI, CNT-Sest/Senat, Embraer, Febrafarma, Grupo Severiano
Ribeiro, MTV, Natura, Nestlé, Philips, Unibanco, Unilever,
Varig/Fundação Rubem Berta e Volkswagen) tem
um forte papel.
Quebra de patentes
De acordo com Christina Zackiewicz, assessora da
América Latina para a DNDi (Iniciativa de Medicamentos
para Doenças Negligenciadas), a quebra de patentes
é um ponto-chave rumo ao cumprimento do sexto ODM.
Conforme explica Armand Pereira, apesar de o Brasil estar
realizando esforços internacionais para quebrar as
patentes dos medicamentos, utilizando drogas não-patenteadas
no tratamento anti-retroviral, ações devem ser
intensificadas. Caso contrário, o acesso universal
ao tratamento, a distribuição de medicamentos
gratuitos - pontos fortes do Programa Nacional - ficarão
comprometidos.
Christina acrescenta que, diante do atual sistema de saúde
brasileiro, a meta proposta pela Organização
das Nações Unidas é um desafio muito
grande. O preço dos medicamentos é muito alto,
o diagnóstico de doenças como a tuberculose
é precário e o tratamento é de longa
duração. Para ela, o primeiro passo é
melhorar o diagnóstico das doenças chamadas
negligenciadas e criar medicamentos, de domínio público,
mais eficazes ao tratamento.
Por outro lado, Armand adverte que a negociação
sobre a quebra das patentes não pode desencorajar as
empresas que estudam novas drogas a pararem suas pesquisas.
A maior parte das novas pesquisas sobre DST/AIDS são
feitas pelas indústrias farmacêuticas comerciais.
Se elas suspendessem esse trabalho, o combate a essas doenças
seria dificultado.
LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3
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