MAZAGÃO
(AM)- Pesquisadores, empresários e comunidades tradicionais
do Amapá apostam na biodiversidade para alavancar a
economia regional e cuidar da saúde da população
nas comunidades isoladas. Com mais de 90% de seu território
coberto por vegetação intocada, o Estado tem
nos recursos genéticos da natureza e biológicos
uma de suas principais riquezas. Enquanto cientistas e empresários
pesquisam esses recursos no laboratório para entender
seus segredos e transformá-los em produtos, representantes
da comunidade utilizam escolas e farmácias populares
para disseminar o conhecimento das ervas medicinais e remédios
caseiros para quem não tem acesso a postos de saúde.
No distrito de Carvão, a 55 quilômetros de Macapá,
a medicina tradicional faz parte do currículo da Escola
Família Agroextrativista (EFA), onde cerca de 200 alunos
aprendem a praticar a agricultura orgânica e a explorar
os recursos da floresta de forma sustentável. Os estudantes,
de nove municípios, ficam na escola em período
integral 15 dias por mês. Aprendem a trabalhar com os
produtos da floresta e a preparar remédios caseiros.
Depois levam o conhecimento para casa e, nos outros 15 dias,
são incumbidos de repassar o que aprenderam a suas
famílias e comunidades. "São alunos só
de áreas rurais", diz a coordenadora pedagógica
Anilda Maria Santana da Silva.
Solange Monteiro de Araújo, uma das alunas, de 19
anos, aprendeu a não usar mais o fogo para abrir a
roça e aproveitar a sombra das árvores para
plantar variedades como banana e cupuaçu. Também
aprendeu técnicas para plantar culturas variadas em
um mesmo espaço - milho, mandioca, melancia, abóbora
e outros -, reduzindo a necessidade de desmatar novas áreas.
Tudo isso ela levou para casa rio acima e ensinou à
família. "Levamos o que aprendemos e também
trazemos o que a gente sabe do campo", conta. Para a
farmácia doméstica, ela aprendeu duas receitas
de analgésico: chá de anador e chá de
marupazinho.
A escola abriga uma das 21 unidades do projeto Farmácia
da Terra, cujo principal objetivo é disseminar o conhecimento
da medicina tradicional. As farmácias, apesar do nome,
não vendem nada, apenas ensinam a preparar os remédios
e a cultivar as plantas necessárias. Em alguns casos,
já fornecem a matéria-prima e mudas. Os tratamentos
são muitos. Para aliviar os sintomas da malária,
chá de raiz de camapu. Para bronquite, xarope de semente
de cumaru e para leishmaniose, pode-se tratar as feridas com
folha de ninga. Quem quiser limpar a pele pode usar gordura
de tartaruga.
"Vamos a lugares distantes, onde não há
serviço público de saúde", diz a
coordenadora Teresinha de Jesus Soares dos Santos, que é
farmacêutica. O projeto é executado pelo Instituto
de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado
do Amapá (Iepa) e recebeu, em 2003, o Prêmio
Tecnologia Social do Banco do Brasil.
Dentro de sua sede, o Iepa mantém uma pequena farmácia
de fitoterápicos, pesquisados e produzidos em pequena
escala no próprio instituto, a partir do conhecimento
popular. Os medicamentos são vendidos a preço
de custo, de R$ 3 a R$ 10. São 63 produtos, feitos
à base de 36 plantas, para tratar desde acne até
asma e diabete. Há um limite de compra de dois frascos
de um remédio por pessoa, para evitar o surgimento
de um mercado informal.
O instituto mantém uma pequena incubadora de empresas
voltadas para o desenvolvimento de produtos naturais. "Nosso
esforço tecnológico tem como base a biodiversidade",
diz o diretor-presidente do Iepa, Antônio Carlos da
Silva Farias. As pesquisas já deram origem a 63 produtos
fitoterápicos, alguns à venda em supermercados.
E a incubadora está sendo expandida para abrigar 25
empresas. "A idéia não é se tornar
uma indústria", explica Farias. "O que fazemos
é produzir conhecimento, passando-o à iniciativa
privada, para que possa ser aproveitado."
HERTON ESCOLBAR
do jornal O Estado de S. Paulo
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