O governo federal cortou cerca
de 80% da verba do Peti (Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil) do Orçamento da União
de 2004. No ano passado, o programa recebeu R$ 507,5 milhões;
neste ano, o Peti receberá apenas R$ 100,2 milhões.
O Peti visa a retirar crianças e adolescentes menores
de 16 anos do trabalho considerado penoso, insalubre ou degradante
(sobretudo em carvoarias, olarias, plantações
de cana-de-açúcar e de fumo, entre outras atividades).
No ano passado, foram atendidos 813 mil meninos e meninas.
O corte nos recursos do Peti poderá ser ainda maior,
caso o programa seja atingido também pelo bloqueio
de cerca de R$ 6,5 bilhões anunciado pelo governo federal
na sexta-feira passada.
No mesmo dia em que os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda)
e José Dirceu (Casa Civil) anunciaram a retenção
dos recursos do Orçamento de 2004, apresentaram também
uma lista dos projetos prioritários do governo. O Peti
aparece nessa relação.
O Peti paga uma bolsa mensal às crianças e
adolescentes para compensar a perda de renda que tiveram ao
parar de trabalhar: quem vive nas cidades recebe R$ 40 por
mês; quem mora na zona rural ganha R$ 25 mensais.
Segundo a assessoria do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, R$ 297 milhões que
seriam utilizados pelo Peti para pagar as atuais bolsas concedidas
às crianças e aos adolescentes foram incluídos
nos recursos do programa Bolsa-Família.
Mas o Peti não faz parte desse programa. Logo, mantido
o atual formato do Bolsa-Família, esse dinheiro não
poderá ser usado para combater o trabalho infantil.
O Bolsa-Família, criado em outubro de 2003, paga os
benefícios de quatro programas sociais -Bolsa-Alimentação,
Vale-Gás, Bolsa-Escola e Cartão Alimentação.
Ainda que se some o atual orçamento do Peti (R$ 100,2
milhões) às verbas alocadas no Bolsa-Família
(R$ 297 milhões), o Peti terá perdido cerca
de R$ 100 milhões.
Ações
Isso porque o programa também repassa dinheiro aos
municípios em que vivem as crianças e adolescentes
retirados do trabalho para financiar ações de
reforço escolar, esportivas, artísticas e culturais.
O valor do repasse para as prefeituras varia de R$ 10 mensais
(nas áreas urbanas) a R$ 20 mensais (nas áreas
rurais) por criança atendida.
E essa verba diminuiu de R$ 187 milhões, em 2003,
para R$ 86 milhões, no Orçamento deste ano.
Com isso, pelo menos 330 mil crianças e adolescentes,
dos atuais 813 mil atendidos, serão excluídos
dessas atividades.
"O Bolsa-Família trabalha com linha de pobreza.
E esse não é o único fator que leva uma
criança a trabalhar. Mantido o formato do Bolsa-Família,
fica difícil incluir o Peti", afirmou Pedro Américo
de Oliveira, da OIT (Organização Internacional
do Trabalho).
Oliveira disse que, nos últimos dez anos, o Brasil
reduziu em 35% o número de crianças e adolescentes
trabalhadores. Há 5,4 milhões de brasileiros
de 5 a 17 anos trabalhando, de acordo com dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística).
De acordo com Oliveira, o trabalho infantil está concentrado
em atividades de difícil fiscalização
por parte do Ministério do Trabalho, caso do tráfico
de drogas e da prostituição infantil.
Oliveira afirma que quem trabalha nessas atividades proporciona
à família uma renda maior do que a estabelecida
pela linha de pobreza do Bolsa-Família, que é
de até R$ 100 mensais. "Como é que essa
linha de pobreza vai conviver com o componente do trabalho
infantil?", questiona ele.
GABRIELA ATHIAS
da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
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