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O vice-presidente
José Alencar fez ontem sua mais contundente crítica
à gestão econômica e social do governo
do qual faz parte.
Dizendo que o país pratica uma política fiscal
"irresponsável", que só interessa
ao mercado financeiro internacional, o vice reclamou não
só dos juros altos, mas do superávit primário
"exagerado", da reforma agrária, e avaliou
a atual crise social como "talvez a maior de nossa história"
e que pode se transformar em crise política.
O PL, partido de Alencar, tem patrocinado várias críticas
à política econômica comandada pelo ministro
Antonio Palocci (Fazenda). Além dos constantes ataques
do vice ao nível das taxas de juros, o presidente do
PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), chegou a pedir a demissão
de Palocci e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles,
causando indignação no Palácio do Planalto.
"A crise social que atravessamos, talvez a maior de nossa
história, não nos permite uma atitude contemporizadora,
sob o risco de degenerar-se e transformar-se em crise política",
afirmou Alencar, que cobrou a retomada dos investimentos estatais
nas áreas social e de infra-estrutura. "Não
queremos o Estado nem grande nem mínimo, nós
queremos o Estado necessário", disse o vice.
As declarações dele foram feitas na Câmara
dos Deputados durante a abertura de um seminário nacional
do seu partido para discutir projetos de desenvolvimento.
Na primeira vez em que citou a questão dos juros, Alencar
foi interrompido por aplausos. "Tinha prometido a mim
mesmo que não falaria de juros, vejo agora que fiz
muito bem em falar", afirmou, arrancando risos da platéia.
De acordo com o vice, a rendição ao mercado
financeiro internacional começou na gestão FHC.
"Só superaremos a profunda injustiça em
que estamos mergulhados se acreditarmos em nossas próprias
forças. O governo anterior nos meteu numa armadilha
de política econômica alienante, transferindo
ao exterior o comando sobre o nosso destino como economia
e como nação", disse.
"Tudo o que se tem feito nos últimos anos tem
sido no sentido de atender ao mercado financeiro internacional.
Temos taxas de juros estratosféricas para atrair o
capital financeiro especulativo", afirmou. E acrescentou:
"Isso nos leva a uma política fiscal irresponsável
na medida em que o custo da dívida pública extrapola
em muito o superávit primário, não obstante
os níveis exagerados deste". Esse superávit
é a economia que o governo faz para o pagamento dos
juros da dívida.
Para retomar os "investimentos inadiáveis",
Alencar cobrou a queda dos juros básicos, hoje em 16%.
"De onde virão os recursos para a retomada dos
investimentos públicos? Simplesmente da queda dos juros.
Pagamos, no ano passado, quase R$ 150 bilhões de juros
sobre a dívida pública [R$ 145 bilhões,
segundo o Banco Central]. Sobraram R$ 4 bilhões para
investimentos", afirmou. "Se reduzirmos isso a um
terço, ainda assim serão as mais altas taxas
básicas reais do planeta", concluiu.
No programa nacional de TV do PT, que foi veiculado na semana
passada, o partido deu destaque à afirmação
de que a atual taxa representa o mais baixo juro real da última
década no país.
"Ao contrário do que alguns propagandistas do
status quo têm dito, o Estado brasileiro não
está quebrado, está sim sendo depauperado pela
alta taxas de juros", continuou Alencar. O Ministério
da Fazenda não comentou as declarações
do vice-presidente.
Reforma agrária
Ao fazer um parênteses em seu discurso, Alencar
criticou também a reforma agrária do governo,
afirmando que o plano "ideal", com assentamentos
formados nos moldes de cooperativa e com acesso a educação,
saúde, orientação tecnológica
e comercial, ainda não saiu do papel.
"Essa seria a reforma agrária ideal, sem briga.
O brasileiro é pacato, é ordeiro, não
gosta de briga. Agora, é aquela história, nós
[o governo], com toda a boa vontade que há, ainda não
iniciamos um trabalho dessa natureza", disse.
A assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento
Agrário afirmou que a pasta concorda com o conceito
apresentado pelo vice e que isso está sendo implantado
nos assentamentos.
Sobre a postura que o PL tem adotado em relação
ao governo, Alencar disse: "Não somos como uma
assembléia de notáveis, prévia à
Revolução Francesa, convocados apenas para dizer
sim".
Depois do seminário, Valdemar Costa Neto voltou a criticar
a gestão econômica do governo, mas citou apenas
o presidente do Banco Central. "O maior problema é
o Meirelles. Como banqueiro, acho que ele não tem condições
de dirigir o BC. Se o Palocci conseguir mudar o BC, daremos
um grande salto", afirmou. O resultado do encontro de
ontem será um manifesto a ser entregue ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
RANIER BRAGON
da Folha de S.Paulo |