Bombardeada
pela oposição por seu "limitado alcance
prático" e citada pelo governo como um "auxílio
complementar", a medida provisória do Palácio
do Planalto para liberar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço) das vítimas das enchentes beneficiou
6% das 376 mil pessoas desalojadas e desabrigadas nos primeiros
meses deste ano.
No total, segundo documentos da Caixa Econômica Federal
obtidos pela Folha, registraram-se 23,5 mil saques, sendo
80% deles de famílias que tinham, em média,
R$ 464 de saldo.
Entretanto 54% dos R$ 58,9 milhões sacados entre 24
de março e 26 de abril são oriundos de contas
com saldos superiores a R$ 12 mil, ou seja, de famílias
que, em tese, fogem da linha de "situação
de carência insuportável" prevista no texto
da MP. Um grupo de 487 pessoas conseguiu sacar um total de
R$ 21 milhões do FGTS -média de R$ 43 mil por
saque.
Um trabalhador com carteira assinada e renda mensal de um
salário mínimo, por exemplo, levaria cerca de
30 anos para juntar R$ 12 mil no FGTS. Quem ganha R$ 1.000
levaria cerca de dez anos.
Segundo o Censo 2000, 54,4% da força de trabalho do
país está na informalidade, ou seja, sem carteira
assinada e sem FGTS.
Além disso, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) registra que a informalidade vai a 70% nas zonas
rurais e nas periferias, onde ocorrem os principais problemas
com as enchentes -que atingiram 1.224 cidades,19 Estados e
o Distrito Federal.
Os ministérios da Integração Nacional
e das Cidades admitem "distorções"
nos saques, mas apontam a inédita iniciativa como positiva,
principalmente por ser algo que serviu como um auxílio
complementar -tanto para a reconstrução das
moradias como para a compra de utensílios domésticos
perdidos.
O saldo das chuvas, até 26 de março, foi de
17,5 mil casas destruídas. Outras 95,5 mil foram danificadas.
O prejuízo estimado total é de cerca de R$ 500
milhões.
Na opinião dos técnicos dos dois ministérios,
é natural que, morando em áreas atingidas, uma
minoria da classe média tenha se aproveitado para efetuar
o saque total de suas contas no FGTS.
Em princípio, o governo fixaria um teto de saque de
R$ 2.400 para vítimas das cheias. "Pensamos num
teto, mas, como a enchente não vê classe social,
decidimos retirá-lo", disse Daniel Nolasco, da
Secretaria Nacional de Habitação do Ministério
das Cidades.
Houve, por exemplo, casos em que moradores de prédios
cujas garagens térreas foram atingidas pelas águas
utilizaram os decretos da Defesa Civil para sacar a totalidade
de suas contas do FGTS.
Para quem quer tirar o dinheiro na Caixa, é preciso
que sua cidade tenha enviado a Brasília decretos de
situação de emergência ou de calamidade
pública. A Caixa, porém, admite que libera a
verba (mediante comprovação de residência)
mas não checa o uso.
Na semana passada, a MP -ceditada em 20 de fevereiro - foi
aprovada na Câmara e enviada ao Senado. O novo texto
pede que o governo fixe um valor máximo de saque. O
valor será definido pelo Conselho Curador do FGTS assim
que passar pelos senadores.
Segundo o governo, estudo da Caixa, anterior à edição
da MP, permitiu liberar o teto de saques sem impacto negativo
no Fundo. Investimentos em habitação e saneamento
e o pagamento das perdas dos Planos Collor e Verão
poderiam ser comprometidos.
Na semana passada, a Folha procurou a assessoria da Caixa
para obter informações mais atualizadas sobre
a liberação do FGTS. Não obteve resposta.
EDUARDO SCOLESE
da Folha de S. Paulo
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