O Brasil
será capaz de cumprir mais de uma das oito grandes
Metas do Milênio, que os 189 países-membros das
Nações Unidas prometeram perseguir até
2015. Mas pode deixar a desejar noutra série de indicadores
também importantes para medir o avanço nas condições
de vida de sua população. É o caso da
erradicação da pobreza e da fome. Entre 1990
e 2001, segundo dados oficiais do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), o país conseguiu reduzir a proporção
de pobres de 43,8% para 33,5% e a de miseráveis, de
21,4% para 14,6%. Não é impossível para
o governo derrubar esses números à metade dos
registrados 14 anos atrás. Entretanto, será
difícil diminuir em intensidade semelhante a desigualdade
de renda, outra mazela relacionada pela ONU como inimiga do
desenvolvimento humano.
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) selecionou um grupo de indicadores afinados com as
Metas do Milênio e eficazes como termômetro dos
avanços sociais. O IBGE, assim como o Ipea, integra
a equipe encarregada de acompanhar o cumprimento das metas,
sob o comando da Casa Civil. Além da óbvia proporção
de pobres e indigentes, a ONU apontou como indicadores relacionados
o percentual de crianças com menos de 5 anos de idade
desnutridas e a participação dos 20% mais pobres
no consumo nacional.
Baixo crescimento
O IBGE, explica Ana Lúcia Sabóia, chefe
da Divisão de Indicadores Sociais do instituto, optou
por usar a renda como parâmetro, em razão das
dificuldades de apuração dos dados sobre consumo.
Entre 1992 e 2002, a proporção da renda nacional
nas mãos dos 20% mais pobres aumentou de 2,8% para
3,4%.
"Supondo a continuidade da tendência, esse indicador
revela que a meta será difícil de ser atingida.
Outra evidência da dificuldade pode ser verificada com
o Índice de Gini, que praticamente se manteve no patamar
de 0,56 no período. Isso mostra que a questão
da desigualdade não avançou", diz Ana Sabóia.
O baixo crescimento econômico do Brasil nos últimos
anos torna ainda mais difícil cumprir a meta de reduzir
a desigualdade. Dois estudos recentes sobre as Metas do Milênio,
um do Banco Mundial e outro do Fórum Econômico
Mundial, entidade que promove anualmente o encontro de líderes
políticos e empresariais em Davos, na Suíça,
mostram que a América Latina foi um das regiões
que menos avançou no combate à pobreza e à
desigualdade de renda, devido, principalmente, a seu fraco
desempenho econômico.
O Banco Mundial estima que a meta global de redução
da pobreza pela metade será alcançada graças,
basicamente, ao bom desempenho da China. O sul da Ásia,
alavancado pela populosa Índia, a Europa Central, o
Oriente Médio e o Norte da África também
vão bem. “Mas a redução da pobreza
está ocorrendo mais lentamente na América Latina
e no Caribe, região que não alcançará
a meta a não ser que haja um salto no crescimento econômico”,
afirma o Banco Mundial.
Nem mesmo o aumento dos investimentos em programas sociais
será capaz de compensar a falta de crescimento econômico.
O estudo do Fórum Econômico lembra que, na América
Latina, os gastos sociais cresceram de 10% do PIB em 1990
para 14% do PIB em 2001, com os recursos sendo alocados, na
avaliação do Fórum, em programas de maior
impacto na redistribuição de renda. O estudo
cita como exemplo o Bolsa Família, do governo brasileiro.
Mas o Fórum lembra que a América Latina cresceu
pífio 0,3% em 2001 e teve queda de 0,7% no seu PIB
em 2002.
“A falta de crescimento econômico em alguns países
e o advento de crises em outros fizeram com que a pobreza
ficasse praticamente inalterada desde 1997”, diz o texto.
Os elogios do Fórum Econômico aos programas
sociais do Brasil, além do Bolsa Família, o
Fome Zero é citado, vêm ao lado de uma dura crítica
à desigualdade social do país: “O Brasil
fez progressos substantivos nos anos recentes, mas a insegurança
alimentar ainda é extremamente alta para um país
com renda per capita anual de US$ 7.000”.
As perspectivas são boas no que diz respeito à
educação e à saúde. O Brasil já
assegurou o cumprimento da meta relacionada à igualdade
de gêneros. Em 1992, o nível de escolaridade
de homens e mulheres era praticamente idêntico no país,
mostra o IBGE. Dez anos depois, as mulheres já apresentavam
em média 6,2 anos de estudo e os homens, 5,9. Está
próxima da igualdade também a proporção
de homens e mulheres de 15 a 24 anos alfabetizados. E é
crescente a proporção de mulheres empregadas
no setor não-agrícola: de 40,7% em 92 para 43,5%
em 2002. Segundo o IBGE, a participação chegaria
a 2015 em 47,1%, se a tendência atual for mantida.
O Brasil também tem condições de cumprir
as metas relacionadas à universalização
do ensino básico entre crianças e jovens. De
1992 a 2001, a escolaridade média dos meninos e meninas
de até 11 anos de idade aumentou em um ano. O total
de anos de estudos, que estava em 3,1 anos em 2001, pode chegar
a quatro anos em 2015, caracterizando a conclusão do
primário pelas crianças brasileiras.
Ainda assim, segundo as estatísticas do Bird, a taxa
de conclusão do ensino primário é de
82% no Brasil. Na América Latina, só fica à
frente de Guatemala, Honduras, Nicarágua e Venezuela
nesse quesito.
FLÁVIA OLIVEIRA
LUCIANA RODRIGUES
do jornal O Globo
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