SÃO
PAULO (SP) - A Febem (Fundação Estadual do Bem
Estar do Menor de São Paulo) anunciou na terça-feira
(14) a demissão de Rosely Carvalho, diretora da unidade
de internação 2 do Tatuapé, na zona leste
da capital, e de quatro coordenadores de sua equipe, após
a acusação de agressão contra os internos.
A entidade, que já sofreu várias críticas
justamente pelos maus tratos àqueles que deveria educar,
também é capaz de registrar fatos positivos.
São adolescentes que superam, de um jeito ou de outro,
todas as dificuldades desse meio em que sobreviver faz parte
do dia-a-dia.
Neste mês de dezembro, 13 deles receberam a notícia
que passaram no vestibular. Um fato comemorado à exaustão
por todos. Após anos de estudos em um ambiente hostil,
encontrar o nome na lista de aprovados junto a outros que
vivem além dos muros da fundação, merece
mesmo ser comemorado.
Dos milhares de alunos que concluíram o ensino médio
este ano no Estado e tentaram uma vaga nos bancos universitários,
21 eram da Febem.
Tatuapé
Eles fazem parte de um universo de 111 menores que terminaram
os estudos dentro de alguma unidade da fundação
e poderiam ter prestado um vestibular. Porém, segundo
destaca a diretora da escola da Febem Tatuapé, Ana
Lúcia Garcia Nunes, essa procura por um curso superior
é uma semente plantada que só agora começa
a render frutos. "Não é só um trabalho
de educação, mas de recuperar a auto-estima
desses meninos, que chega aqui completamente destruída.
Aos poucos, eles percebem o que são capazes de fazer",
diz.
No ano passado, 15 garotos da entidade prestaram vestibular.
Desses, sete foram aprovados, a maioria para o curso de direito.
Apesar de antes desse período outros jovens terem participado
de concursos, foi só em 2003 que os dados começaram
a ser organizados e tabelados pela Febem.
A Febem Tatuapé, a maior do Estado, possui 1.716 internos.
O complexo é formado por 18 unidades, em que os adolescentes
se dividem de acordo com o crime que cometeram. Na unidade
1, por exemplo, ficam os considerados de nível grave.
E é justamente dela que saíram os dois jovens
aprovados do Tatuapé, para web designer e educação
física.
Os outros internos, da unidades de Marília, Bauru,
Iaras, Vila Maria e Raposo Tavares, foram aprovados para web
designer, administração de empresas (2), ciências
biológicas, direito (2), engenharia, veterinária,
sistemas da informação, técnica em mecânica
e técnica industrial.
Laboratório de informática
Os dois aprovados da Febem Tatuapé se prepararam para
o vestibular durante todo o ano, sempre contando com a ajuda
dos professores fora do horário normal de aulas. "Eles
me traziam livros de gramática, de química,
resumos. Principalmente cópias de simulados de outros
vestibulares", conta um dos internos, de 19 anos, que
está na Febem desde outubro de 2002 e foi aprovado
para o curso de web designer.
"O dia do vestibular foi um horror. Chegar a faculdade,
ver gente pra caramba competindo com você. Mas deu medo
mesmo na hora da prova. A perna de um tremia, o outro roía
a unha, um batia a caneta na mesa. Deu medo. De não
passar. Quando chegou o resultado, foi difícil acreditar",
afirma.
Apesar do contato com o computador antes de ser internado,
ele se interessou mais pela área por conta de cursos
de computação e internet que fez dentro da Febem.
Um deles, aliás, vai lhe garantir um estágio
de seis meses como monitor assim que sair da instituição,
no próximo mês. "Vou trabalhar de dia, estudar
à noite e, nos fins de semana, ajudar na recreação
de crianças nas escolas públicas [exigência
para a manutenção de uma bolsa de estudos].
Será uma vida 100% nova", conta ele.
A rotina será parecida com o outro interno, de 18
anos, desde maio de 2003 na Febem e aprovado no vestibular
de educação física. "Antes de vir
para cá, já era ligado ao esporte. Surfava,
jogava bola. E aqui, pude sair da [unidade]1 para a Casa do
Atleta [unidade de nível médio, que abriga os
alunos com aptidão para a prática esportiva]
porque me acharam bom [no futebol]", diz.
Vitória
Para ambos, controlar a expectativa é o mais
difícil a partir de agora. "Sabemos que fazemos
parte de uma minoria. Como é difícil chegar
à faculdade. Não estou com medo, mas sim com
expectativa de ir pra lá [faculdade], começar
uma vida nova. Vindo de onde a gente vem, é um sonho
que nem foi sonhado", diz o interno de 19 anos.
"Quando entra na Febem, a pessoa logo pensa que viraram
as costas para ela. É como se fosse o fim. É
pior do que esquecerem de você, porque é como
se o mundo estivesse contra. E transformar essa situação
em outra realidade é uma coisa muito boa", continua.
"Quero dedicar a realidade de hoje ao meu pai, que também
está privado de liberdade. Deixar bem claro para ele
que eu vou mudar nossa história".
"Eu me sinto uma mãe realizada", define
a mãe do interno de 19 anos. "Quando ele foi para
lá, eu quis morrer. Achava que tinha perdido um filho.
Não que fosse perdê-lo mesmo, mas tem muita gente
que sai de lá e não se recupera", diz.
A mãe lembra que, quando recebeu a notícia da
aprovação do filho no vestibular, até
perdeu a fala. "Estava indo almoçar e não
conseguia nem andar, de tanta emoção. Do outro
lado, me contaram que ele ficou emocionado".
O outro interno conta que, antes de entrar para a Febem,
nunca tinha imaginado cursar o ensino superior. "Nem
passava pela minha cabeça. Nunca imaginei ter um futuro
com uma profissão, ainda mais depois de entrar aqui
[na Febem]", afirma o rapaz. "Não tenho nenhum
amigo ou conhecido que tenha chegado à faculdade".
Bolsa
Os 13 adolescentes que passaram no vestibular terão
bolsas de estudos pelo programa Escola da Família,
da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo.
O programa é uma parceira com mais 300 faculdades.
Por ele, o governo paga 50% da bolsa de estudos de um aluno
e a faculdade os outros 50%. Em troca, o jovem que fizer parte
do Escola da Família trabalha, nos fins de semana,
em um colégio público próximo de sua
residência, ajudando na organização de
atividades e recreação infantil.
CAMILA MARQUES
da Folha Online
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