Os mais
variados indicadores demostram que a mulher está trabalhando
mais, competindo mais, conquistando mais status socioeconômico,
ficando mais estressada e adquirindo problemas de saúde
que antes eram "privilégio" dos homens.
Embora não existam estatísticas que permitam
afirmar que as mulheres estejam bebendo mais ou consumindo
mais drogas, dados colhidos pela Folha em diversas fontes
deixam claro: aumenta o número de mulheres que estão
buscando tratamento para se afastar da dependência química.
Esse aumento chega a ser de 150% em um centro de atendimento
do Rio. Em São Paulo, enquanto o serviço do
Hospital das Clínicas dedicado às mulheres amplia
suas vagas para atender à crescente demanda, médicos
de consultórios particulares registram multiplicação
dos casos.
Dois prováveis motivos para que isso ocorra: por conta
de mais informações, a mulher está enfrentando
a vergonha de assumir que é dependente e agora já
sabe que, ao procurar tratamento, encontrará ambientes
voltados para as suas particularidades.
Segundo a literatura médica, o organismo da mulher
é menos suscetível aos efeitos da cocaína,
então ela responde melhor aos tratamentos para se livrar
da dependência. Enquanto entre os homens o índice
de adesão à abstinência durante o tratamento
fica em apenas 30%, o aproveitamento entre mulheres atinge
60%.
Outras particularidades relativas à mulher: a maioria
das dependentes consome álcool e relata que foi apresentada
à cocaína pelo companheiro (que em geral também
é dependente) e que busca a droga para fugir da depressão,
do isolamento social, de problemas familiares e de distúrbios
de saúde. Os homens, na maioria das vezes, relatam
que usam a droga apenas pelo "barato" em si.
Dados do Cead (Conselho Estadual Antidrogas), órgão
da Secretaria de Justiça e Direitos do Cidadão
do Rio, comprovam o aumento da preocupação da
mulher com o problema. O volume de homens que pela primeira
vez procuraram o serviço cresceu, nos três primeiros
trimestres de 2003, cerca 130%, e o de mulheres, 28%.
De lá para cá, a coisa mudou: o número
de mulheres que buscaram ajuda cresceu mais de 150%, passando
de 55 para 142 casos.
Entre homens e mulheres, informa Murilo Asfora, diretor do
Cead, foram feitos, em 2003, 1.895 atendimentos de novos pacientes.
Destes, 44% diziam ser preferencialmente consumidores de álcool
e 26% de cocaína, mas, no caso das mulheres, diz a
psicóloga Sabine Cavalcante, a combinação
álcool-cocaína predomina. Há ainda casos
de abuso de maconha, inalantes e anfetaminas.
Segundo ela, o atendimento em separado das mulheres no dia-a-dia
do Cead surgiu como uma decorrência da própria
prática clínica. "Ficava difícil
atender a um casal, por exemplo, quando havia indícios
de violência doméstica ou quando quem tinha estimulado
a mulher a consumir cocaína era o companheiro."
Serviço pioneiro
O primeiro serviço voltado exclusivamente
para a mulher dependente surgiu em 1996 no Hospital das Clínicas
de São Paulo. Trata-se do Promud (Programa de Atenção
à Mulher Dependente Química), coordenado pela
psiquiatra Patrícia Hochgraf.
Ela diz que a capacidade do serviço que coordena (284
pacientes já passaram pelo atendimento) é muito
menor do que a demanda. "Toda vez que abrimos a triagem
para novos atendimentos é uma loucura o que aparece
de gente."
Por isso o Promud está crescendo: ganha neste mês,
em convênio com a Prefeitura de São Paulo, mais
dois postos de atendimento, além do que já funciona
no HC.
Para a psiquiatra, a maior adesão das mulheres aos
tratamentos se relaciona ao fato de elas estarem encontrando
algo diferenciado nos serviços. "Se o homem dependente
é considerado sem-vergonha, para a mulher é
o fim da linha. Por isso, quando ela percebe que será
bem atendida, que não será constrangida, fica
mais estimulada a buscar tratamento."
Isso também ocorre nas clínicas e consultórios
particulares, onde, da mesma forma, pode ser verificado um
aumento de casos, segundo pelo menos oito especialistas ouvidos
pela Folha.
Exemplo: um consultório que atende pacientes de classe
média alta na zona sul de São Paulo, cujo titular
preferiu o anonimato, acusou aumento de 100% de casos (de
7 para 14) de mulheres dependentes em busca de tratamento
nos últimos seis meses.
Segundo Hochgraf, o serviço gratuito do HC também
é procurado por pessoas com poder aquisitivo. "Aqui,
apesar da diferença de status, elas estão entre
iguais no que se refere à dependência."
Atendimento público: convênio Promud/Prefeitura
de São Paulo: 0/xx/11/3241-0901; Cead/RJ: 0/xx/21/
3399-1324
LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo
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