Para
ir bem numa prova, o aluno precisa:
a. Estudar
b. Ter aparelho de celular
c. Usar óculos de sol
d. Comprar um palmtop ou calculadora
e. Qualquer uma das anteriores
Acertou quem cravou a alternativa "e" por mais estapafúrdia
que ela pareça: todas as opções citadas
acima estão valendo na busca daquilo que as gerações
passadas chamavam de "nota azul". É a velha
cola que todo mundo conhece, mas agora em nova roupagem.
A geração atual não abandonou os métodos
mais rudimentares, como o papel escondido no estojo e fórmulas
rabiscadas no tênis, mas ganhou o reforço da
tecnologia -celulares que enviam textos e fotos, computadores
de mão e calculadoras que transmitem mensagens por
raios infravermelhos e o universo inesgotável de trabalhos
que podem ser garimpados na internet.
"Colar hoje não é mais "pescoçar"
a prova do outro. Existe a evolução da espécie",
diz Alexandre*, 15, aluno do 1º ano do colégio
Bandeirantes, que costuma receber o gabarito dos testes pelo
celular. Quem envia é um colega que sai da sala antes
e passa as respostas do banheiro da escola ou de uma lanchonete
próxima.
O Bandeirantes, é bom dizer, proíbe que os alunos
fiquem com celulares durante as provas. "Mas nós
deixamos escondido no bolso. (...) Nenhum professor nos revista",
conta Alexandre.
Nos trabalhos extraclasse, sai o telefone e entra a internet,
já que é possível achar textos sobre
qualquer tema com uns poucos cliques de mouse. "É
a coisa mais comum: copiam, colam e imprimem o trabalho. Uma
vez, pedi uma pesquisa sobre instrumentos náuticos
e recebi seis textos exatamente iguais numa mesma classe",
conta Denise Mendes, 40, professora do colégio Pentágono.
A trapaça hi-tech não é um fenômeno
brasileiro. Nos EUA, o assunto virou motivo para uma campanha
nacional anticola e foi parar nas páginas -e até
na capa- de grandes jornais. "Colar com aparelhos eletrônicos
é a última moda nas salas de aula americanas",
disse Peter McLaren, 56, professor da Escola de Educação
da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles)
à Revista.
Cardápio
Em escola pública, o dinheiro é mais
curto e o celular, menos usado. "Não tenho grana
para isso. Fico nas minhas colinhas antigas: escrevo nas pernas
e uso calça que abre do lado, grudo um papel nas costas
da menina da frente e cubro", conta Marina*, 16, da Escola
Estadual Fernão Dias.
Depois de 11 anos colando, nada mais normal que a prática
chegue também à faculdade. Na FGV (Fundação
Getúlio Vargas), o computador de mão faz a festa.
"A gente coloca capítulos inteiros no Palm e depois
faz transferência de arquivos por infravermelho para
os outros", conta Cristina*, 26, que faz especialização
em administração.
Pais & mestres
De tão disseminado, o hábito de colar
não chega a enfrentar grandes obstáculos éticos
ou atrair muita condenação, nem mesmo entre
os pais. "Não dá para evitar. (...) Acho
até que faz parte do perfil do adolescente, de desafiar
as regras", acredita a relações-públicas
Regina H. da Silva Botelho, 45, mãe de dois adolescentes.
Para muitos educadores, a trapaça deve ser creditada
aos equívocos da metodologia de ensino. "O conhecimento
não precisa ficar retido na memória. Ele está
no livro e pode ser consultado", diz o pedagogo Antonio
G. da Costa, 54, que já trabalhou em projetos do Unicef
(órgão da ONU).
Muitos educadores, porém, não acreditam na possibilidade
de a escola funcionar sem provas. "A nota tem de ser
aplicada conforme o potencial do aluno, e a prova ainda é
a melhor forma de avaliá-lo", diz Myriam Tricate,
61, diretora do colégio Magno.
Longe das discussões "sérias", a cola
é encarada pelos estudantes como algo comum no cotidiano
e que poupa tempo para aproveitar o presente. "Aqui na
Poli, ou você estuda ou vive. A gente corta no meio,
tenta fazer os dois." Nem ele nem seus colegas acreditam
que isso vá interferir em suas carreiras. "Essas
fórmulas estão no livro, você não
precisa decorar", diz Cláudio*, aluno da USP.
DÉBORA YURI
da Folha de S.Paulo
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