A dez
dias do julgamento da questão, o presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobim, defendeu
ontem a revogação da Lei de Crimes Hediondos,
sugerindo que os condenados por ela sentem-se "relativamente
impunes" para cometer outros crimes. O ministro Nilmário
Miranda (Direitos Humanos) também manifestou-se pela
revogação da lei.
"O grande problema que tem que ser examinado é
a condenação de um cidadão a 20 anos
de cadeia sem que haja possibilidade de ele progredir (...).
Se você disser que não há nenhuma saída
esse cidadão está relativamente impune, porque
os crimes que ele possa praticar já estão absorvidos
pela pena existente e estimula a prática de crimes",
afirmou Nelson Jobim.
Segundo o ministro, já é dada como "certa"
a hipótese de que "não é a pena
que resolve o problema", mas a certeza da punição.
"Uma coisa é certa, cientificamente, na academia:
não é a pena que resolve o problema da litigiosidade",
disse o ministro.
Além de Jobim, quatro outros ministros do STF também
assumem publicamente posição contrária
à lei de 1990 -o relator Marco Aurélio de Mello,
Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso,
os dois últimos indicados pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva no ano passado.
Julgamento
No dia 26, o Supremo vai julgar um habeas corpus que, se concedido,
acaba determinando a inconstitucionalidade da lei na prática.
A ação foi proposta por Oseas de Campos, de
São Paulo, condenado por ter mantido relação
sexual com menor de 14 anos (atentado violento ao pudor, tipificado
como hediondo na lei).
Na semana passada, o ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, afirmou que era preciso revisar a Lei de Crimes
Hediondos e debater os "ônus e bônus"
da aplicação da legislação, como
o aumento da lotação prisional e o surgimento
de quadrilhas nas cadeias. A lei foi sancionada em 1990 pelo
então presidente Fernando Collor. A idéia central
é impedir que criminosos violentos recebam o benefício
da progressão de pena -passar do regime fechado para
o semi-aberto e depois para o aberto, a cada terço
de pena cumprido.
A Lei de Crimes Hediondos abrange seqüestro, estupro
e organização de quadrilha com o objetivo de
praticar assassinato. O preso é mantido em regime fechado
durante toda a pena.
Nilmário Miranda lançou a idéia de que
cada juiz examine a questão e decida se é o
caso de eliminar a progressão de regime. "Essa
lei [de crimes hediondos] encheu as prisões e não
inibiu a criminalidade. A hediondez do crime deve ser definida
pelo juiz. Capitular crimes como hediondos significa encher
as prisões."
Como exemplo, Nilmário citou as chamadas "mulas"
utilizadas por traficantes. Em geral, são pessoas mais
pobres que se submetem ao perigoso trabalho de ultrapassar
fronteiras com drogas visando um pagamento relativamente baixo.
"Não pode colocar todo mundo do tráfico
no mesmo lugar. Tem gente que faz um papel de baixo potencial
ofensivo no tráfico e outros de alto. Temos que tratar
essas pessoas de modo diferente", disse Nilmário.
População carcerária
Caso não seja modificada a lei, o ministro teme uma
explosão no número de presos nos próximos
anos. "O que está acontecendo é que estão
entrando 40 mil pessoas por ano no sistema penitenciário
e saem 7.000, 8.000. Isso significa que o Brasil daqui a alguns
anos pode ter meio milhão, 1 milhão de presos
nesse ritmo, se a porta de entrada é muito larga e
a porta de saída, muito estreita", disse.
IURI DANTAS
da Folha de S.Paulo
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