Relatório da missão
especial da Organização das Nações
Unidas sobre exploração sexual de crianças
e adolescentes no Brasil, divulgado ontem, em Genebra, responsabiliza
a polícia e o Poder Judiciário pelo problema,
apontado como "somente a ponta de um grande iceberg",
e cobra reformas imediatas nas duas instituições.
No texto, o relator da ONU para o Tráfico de Crianças,
Prostituição e Pornografia Infantis, Juan Miguel
Petit, diz que testemunhou "horrores" ao visitar
o país em novembro do ano passado. Em 12 dias, ele
passou por Brasília, Belém, Salvador, São
Paulo e Rio de Janeiro, além de receber informações
de outras regiões.
Segundo o relatório, de 100 mil a 500 mil crianças
são exploradas sexualmente no Brasil. Entre os fatores
apontados para esse cenário estão a pobreza,
a violência vinculada a desigualdades sociais, o crime
organizado e a lentidão na implementação
das medidas previstas no ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente).
Um dos problemas que também contribuem para o alto
grau de exploração no país, segundo o
relatório, é o turismo sexual, com a imagem
do Brasil "sempre associada a estereótipos de
jovens mulheres, a maioria afro-brasileiras, retratadas seminuas
em catálogos para passar a mensagem de que aventuras
sexuais exóticas podem ser realizadas" durante
a viagem.
Nesse ponto, o relatório das Nações
Unidas cita o Carnaval, que começa no final de semana,
como um "estimulante do turismo sexual". O relator
conta, inclusive, que "dirigindo em Copacabana à
noite, pôde verificar o quão disseminada é
a prostituição de jovens mulheres".
As rotas nacionais e internacionais de tráfico de
mulheres, crianças e adolescentes são outro
ponto levantado pela missão especial. O estudo fala
em 241 rotas no total, com rumo a dez países, e aponta
a Espanha como o principal destino desse "comércio".
Reformas
No caso da polícia, o relator da ONU se mostra preocupado
com as acusações de corrupção
e de envolvimento dos próprios policiais na exploração
sexual. Na avaliação da organização,
isso representa um risco grande de corporativismo e impunidade.
Como solução, as Nações Unidas
recomendam a adoção de programas de capacitação
profissional dos policiais sobre direitos humanos e maior
interação com a sociedade.
Sobre o Judiciário, a ONU defende uma reforma tendo
como perspectiva os direitos das crianças. O texto
diz que juízes devem "ter um papel ativo na área
social de proteção aos direitos das crianças
e integrar a rede de proteção formada em sua
comunidade".
O relator também critica a falta de defensorias públicas
autônomas. Em São Paulo, por exemplo, a defesa
gratuita é oferecida pela PAJ (Procuradoria de Assistência
Judiciária), subordinada à Procuradoria Geral
do Estado.
No âmbito legislativo, são três as principais
recomendações: ampliar a definição
de tráfico, incluindo as rotas internas; tratar os
crimes sexuais como crimes contra a pessoa, não contra
os costumes; adotar medidas para combater as infrações
ligadas à internet.
Entre as medidas no ECA não cumpridas, está
a implementação dos conselhos tutelares. Deveria
haver pelo menos um em cada cidade, mas, segundo a ONU, apenas
3.477 de 5.578 municípios têm essas entidades.
As informações são da Folha de S. Paulo.
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