Escassa
em alguns locais, abundante em outros, e mal tratada pela
poluição gerada pelo homem, a água é
motivo de uma data mundial, lembrada nesta segunda-feira.
Fonte da vida, como diz o tema da Campanha da Fraternidade
deste ano, a água também destrói. Durante
o verão, ao menos 211 pessoas morreram em conseqüência
das chuvas que castigaram 1.213 municípios de 19 Estados,
além do Distrito Federal, segundo dados do Ministério
da Integração Nacional. Enquanto isso, Estados
do Sul, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, decretaram,
nos últimos meses, estado de emergência em dezenas
de municípios por causa da seca. Em São Paulo,
moradores convivem com o risco de um racionamento.
"Se bem conduzido, [a água] é um recurso
renovável. Ele não cresce, mas é renovável",
afirmou Marcos Freitas, 41, diretor de Tecnologia e Informação
da ANA (Agência Nacional de Águas).
"A situação é relativamente complexa
porque neste ano, além dos problemas já comuns,
como a poluição, falta d'água em alguns
locais --seja por desperdício ou pelo excesso de concentração
de pessoas em áreas com pouca água--, tivemos
o efeito de eventos críticos: mais chuvas que a média
em algumas regiões, incluindo o Nordeste", disse.
De acordo com ele, a discussão sobre a emissão
de alertas meteorológicos faz parte das atividades
deste Dia Mundial da Água. "Os alertas significam
dizer que a água está chegando. Estimular a
integração da meteorologia com a hidrologia
para salvar vidas faz parte da discussão", disse.
Para Freitas, um dos motivos de comemoração
da data é o fato de a legislação ter
"evoluído com rapidez" para uma organização
do sistema para gestão de água, ou seja, o que
era gerido por rio, agora é gerido por bacia hidrográfica.
"O que melhora muito do ponto de vista do controle ambiental
porque não adiantava controlar um ponto do rio se um
camarada poluísse para trás ou tirasse toda
a água. Ver a bacia como um todo é mais fácil
de estabelecer o cronograma de gestão", afirmou.
Na opinião de senadores, o Congresso Nacional deveria
aproveitar o Dia Mundial da Água para uma reflexão
sobre a poluição dos recursos hídricos
e a má distribuição do acesso à
água no país, de acordo com informações
da Agência Senado, que afirma ainda que o país
detém 12% do total mundial de água doce do planeta,
"um volume que poderia garantir o abastecimento farto
de toda a população".
Poluição
Segundo o diretor da ANA, o não-tratamento de esgoto
é o pior poluidor das águas. "O grande
problema é que ainda não se tem um marco regulatório
do setor de saneamento", afirmou. De acordo com ele,
o governo federal deve tratar sobre o assunto neste ano.
Freitas afirma que em São Paulo um grupo já
atua, ao lado do governo estadual, para resolver o problema
de um "triângulo complicadíssimo entre o
Piracicaba, o Tietê e o Paraíba do Sul".
"O Piracicaba dá 35 m³ para São Paulo,
para o abastecimento do Cantareira e já está
esgoelado. Precisa haver uma situação mais equilibrada.
O Tietê, por sua vez, precisa de situações
que melhorem o tratamento de esgoto". Ele disse que são
vistos "com bons olhos" as tentativas de despoluição
realizadas pelo governo do Estado.
Já no Rio, a preocupação recai sobre
o Guandu, onde, de acordo com Freitas, é necessária
uma quantidade maior de água para "diluir"
a poluição.
"Dois terços da água do Paraíba
do Sul são transpostos para abastecer o Guandu e nos
últimos anos já há problemas de falta
d'água no Paraíba do Sul. Precisamos reduzir
essa transposição para algo que seja 10%, 15%
ou 20% menos, e isso pode ser feito sem comprometer o abastecimento,
desde que a água que chegue no Guandu esteja menos
poluída".
Como processo de melhoria, Freitas cita o lago Paranoá,
em Brasília. "Era um lago que no fim da década
de 80, início de 90, era quase um esgoto a céu
aberto e hoje é um lago que tem visibilidade de até
10 metros de profundidade. Foram instaladas estações
de tratamento e atualmente as pessoas usam o lago para mergulhar.
Essa água é quase um reuso constante para Brasília,
que tem parte abastecida pela água do lago, que é
tratada."
Desde outubro de 2003, o aviador Gérard Moss percorre
o país a bordo de um hidroavião transformado
em 'laboratório aéreo'. É a expedição
Brasil das Águas, uma parceria com a ANA para monitorar
a situação das águas no país.
"E já tem dado resultados interessantes. O Tietê,
num raio de 200 km de São Paulo, encontramos água
com boa qualidade, que é um efeito das barragens",
afirmou Freitas.
Bacia Amazônica e Aqüífero Guarani
Um acordo com sete países vizinhos é a novidade
da ANA para discutir um projeto de gestão das águas
da bacia amazônica. "É um marco, por que
é a maior bacia hidrográfica do planeta. Além
disso, em relação à bacia amazônica,
somos águas abaixo, ou seja, podemos sofrer com atitudes
dos vizinhos. Precisamos ter noção do que fazem
atualmente e do querem fazer no futuro países como
Peru, Equador, Colômbia", disse Freitas.
Ele afirma que o acordo já foi estabelecido com os
países envolvidos, mas o projeto ainda está
em fase de implementação.
Outro projeto envolve Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina
para conhecer o Aqüífero Guarani. O projeto é
coordenado pelo Brasil, a partir da sede do Mercosul, na Argentina.
O aqüífero Guarani tem 1,2 milhão de km².
Da área total do reservatório, 71% está
no Brasil, 19% na Argentina, 6% no Paraguai e 4% no Uruguai.
"Boa parte do abastecimento das grandes cidades vem
de águas subterrâneas. Em São Paulo há
mais de 30 mil poços perfurados --10 mil são
controlados, se sabe onde estão localizados, mas outros
são totalmente irregulares, com taxa de crescimento
a 5% ao ano", disse.
"A partir do momento que se começa a conhecer
as águas, os Estados podem atuar de maneira mais equilibrada
porque água subterrânea, pela legislação,
é função dos Estados. Mas começa-se
um processo de conhecimento das águas subterrâneas."
LÍVIA MARRA
CARLOS FERREIRA
da Folha Online
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