"Fui
eu quem quis, ninguém me influenciou", diz a primeira.
"Foi pelo dinheiro fácil", afirma a outra.
"Gostava de andar na moda", explica a terceira.
"Só queria baladas", diz a seguinte.
Nos relatos, não existe o papel de vítimas.
Assumem a responsabilidade pelos crimes que cometeram -roubo
qualificado e tráfico de drogas são os principais-
com uma maturidade que contrasta com a voz fina, tranças
e enfeites no cabelo.
São meninas, internas na Febem (Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo, e fazem
parte de um fenômeno preocupante de aumento da participação
de garotas na criminalidade e do que pessoas ligadas à
área definem como "emancipação feminina
mal canalizada".
As estatísticas preocupam e já colocaram setores
da Febem em alerta. O número de garotas cumprindo medidas
socioeducativas na instituição -internação
provisória, internação e semiliberdade-
dobrou em relação ao início do novo século.
Eram 289 meninas em fevereiro último -106,4% a mais
do que no mesmo mês de 2001. Apesar de ainda serem a
maioria, os garotos registraram um aumento de 49,3% nesse
mesmo período.
Os registros de jovens que passaram pela Febem -muitos já
foram transferidos para o programa de liberdade assistida-
também confirmam a tendência.
Em 2003, 809 garotas passaram pela instituição,
34,1% a mais em relação a 2001 -quando esses
dados começaram a ser computados pela fundação.
Novamente, os meninos registram um índice de crescimento
abaixo do das garotas no mesmo período: 23,5%.
Mesmos motivos
Os relatos das meninas não são muito diferentes
do que dizem os garotos. "É a mesma lógica
do consumo. Boa parte não vive em situação
de miserabilidade, mas entra para o crime porque quer tênis
importado, roupa da moda", diz Marília Moreira
Graciano, diretora do internato da Mooca (zona leste de São
Paulo). A unidade de internação abriga meninas
com perfil primário e reincidente graves.
Apesar de a Febem não possuir um perfil socioeconômico
dos jovens, Marcus Alexandre da Silva, diretor da UIP (Unidade
de Internação Provisória) -uma espécie
de porta de entrada das meninas na instituição-,
também na Mooca, afirma que cresce o número
de internas pertencentes à classe média baixa.
Até a liderança no ranking dos crimes mais
comuns se repete entre meninos e meninas. Os cinco principais
delitos -roubo qualificado, tráfico de drogas, furto,
roubo simples e descumprimento de medida socioeducativa- são
os mesmos.
A principal diferença, no entanto, está no
tráfico de drogas. Ele foi responsável por 19,7%
das passagens de meninas pela Febem em 2003. Em relação
aos garotos, esse índice foi de 11,8%.
"Para o tráfico, as mulheres têm mais chance
de passar despercebidas pela vigilância policial",
afirma o delegado Ivaney Cayres de Souza, diretor do Denarc
(Departamento de Investigações sobre Narcóticos).
Depoimentos de pessoas ligadas à área e das
próprias internas revelam que a participação
de meninas no tráfico e em outros crimes não
é tão secundária e que a figura da adolescente
indefesa que entrou no crime por causa do envolvimento emocional
com um bandido é discutível.
"Esse mito tem de ser revisto. Essa influência
é uma idéia ultrapassada", afirma Karyna
Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino
Americano das Nações Unidas para Prevenção
do Delito e Tratamento do Delinquente). Para ela, a garota
também está sujeita às tentações
do consumo. "Assim como os meninos, as meninas também
querem ter determinados bens."
Emancipação
Segundo Sposato, o aumento do envolvimento dessas jovens no
crime também é conseqüência de uma
emancipação feminina mal direcionada, principalmente
devido à carência de serviços públicos
na periferia.
"Espera-se que ela conquiste o seu lugar. Isso causa
um impacto na adolescência. Essa emancipação
acaba sendo direcionada, infelizmente, para o crime",
afirma a pesquisadora.
À Folha internas da Febem não culparam outras
pessoas pelos crimes pelos quais foram presas e narraram episódios
que em nada lembram meninas indefesas. Participaram de decisões,
davam ordens, portavam armas em assaltos, cobravam dívidas
de tráfico de droga e até fizeram questão
de matar desafetos.
"Já pensou esse potencial dirigido para o canal
certo?", questiona Maria Aparecida Tonet, chefe da coordenadoria
técnica de atendimento feminino na Febem. "Elas
merecem uma chance."
GILMAR PENTEADO
da Folha de S. Paulo
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