A discussão
começou há quase uma década. No final
de 1995, mais precisamente. No dia 20 de novembro, comemorava-se
o tricentenário da morte de Zumbi. Uma série
de manifestações foi organizada para relembrar
o evento e, conforme lembra Deise Benedito, coordenadora da
área de Articulação Política e
Direitos Humanos da ONG Fala Preta!, a sociedade passou a
discutir a necessidade de elaborar um Estatuto da Igualdade
Racial. O documento seria um primeiro passo para romper com
as desigualdades e discriminação raciais tão
presentes no país, já que explicitaria os direitos
dos afro-brasileiros.
Em 1998, a discussão se avolumou e, em 2000, a primeira
versão do documento foi apresentada pelo senador Paulo
Paim. Quatro anos depois, a perspectiva de aprovação
do Estatuto da Igualdade Racial no Senado brasileiro ainda
este ano - nas palavras do próprio senador - é:
"Nenhuma. Zero". O porquê da demora o senador
explica: "A própria vida do Estatuto demonstra
o quanto o nosso país é preconceituoso. No Brasil,
aceitam-se leis, estatutos, de todas as áreas. Mas
quando chega na questão do negro é a coisa mais
difícil. Isso é uma manifestação
do quanto ele é importante".
"Até agora não foi aprovado porque existem
setores da sociedade que não estão satisfeitos
com a proposta. O texto elaborado pelo senador Paulo Paim
contou com ampla consulta popular. Houve uma participação
ativa da sociedade civil, por isso não queremos que
ele seja alterado. E eles sugerem algumas alterações
que não são aprovadas. Por isso acaba não
saindo", completa Deise Benedito.
A proposta atual do Estatuto da Igualdade Racial é
"combater a discriminação racial e as desigualdades
raciais que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão
racial nas políticas públicas desenvolvidas
pelo Estado". Para isso, prevê a implantação
de uma série de ações afirmativas nas
esferas da educação (como acesso gratuito ao
ensino e introdução da disciplina História
Geral da África e do Negro no Brasil nos currículos
do ensino fundamental e médio, público e privado),
cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, mídia,
demarcação de terras quilombolas, acesso à
justiça, prioridade no acesso aos recursos e contratos
públicos, entre outros.
Pontos polêmicos
As tão discutidas cotas são bastante
esmiuçadas pelo Estatuto. Está prevista uma
reserva de 20% de vagas para a população afro-brasileira
em concursos para empregos públicos, cursos de graduação,
empresas com mais de 20 empregados e contratos do Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Os programas
e filmes exibidos pela televisão devem apresentar pelo
menos 20% de imagens de pessoas afro-brasileiras e cada partido
político ou coligação deve reservar pelo
menos 30% de suas vagas para essa população.
O documento prevê a criação de um Fundo
Nacional de Promoção da Igualdade Racial, com
recursos da Lei Orçamentária da União,
transferências voluntárias dos estados, Distrito
Federal e Municípios, doações de pessoas
físicas, empresas privadas e ONGs, entre outros, a
fim de implementar políticas públicas que tenham
como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão
social dos afro-brasileiros.
Para Deise, esse talvez seja o ponto mais polêmico
do Estatuto e o que mais contribui para atravancar sua aprovação.
O senador Paulo Paim, de certa forma, concorda. E diz que
a criação do fundo é fundamental. "Se
o Estatuto fosse aprovado sem o fundo, ele seria uma boa carta
de intenções, mas sem dinheiro para aplicar.
Não queremos só assinar um papel para dizer:
'está assinado o Estatuto'... Queremos que o Estatuto
exerça o papel da tal de Lei Áurea de 13 de
maio de 1888 deveria exercer e não exerceu coisíssima
nenhuma", diz.
As penas para os crimes de discriminação racial
também são mais rigorosas. Embora não
se possa prever se, no curto prazo, a aprovação
do Estatuto poderia, de fato, diminuir as desigualdades e
discriminações raciais no Brasil, Deise Benedito
acredita que sim. E exemplifica: "O Ministério
do Trabalho, por exemplo, fiscalizaria mais e as empresas
atuariam com mais cuidado na hora de contratar profissionais
negros, pagando um salário mais igualitário".
O senador Paulo Paim acrescenta que o Estatuto vai incentivar
a elaboração de políticas públicas
para a integração do negro no conjunto da sociedade.
"Você vai ter a política de cotas na mídia,
no trabalho, na universidade, que vai abrir portas",
afirma.
O senador ainda conta que está promovendo um amplo
debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial com a sociedade,
a fim de que ele seja aprovado no ano que vem. Em 2005, será
realizada a Marcha Zumbi +10, em homenagem aos 310 anos da
morte de Zumbi.
Para ele, o fato de o dia 20 de novembro ter se tornado
feriado municipal em São Paulo - maior cidade da América
do Sul - vai contribuir para que a data se torne feriado nacional.
"Nos Estados Unidos, a data do aniversário de
Luther King é feriado nacional. E lá são
11% de negros. Por que não aqui no Brasil?", questiona.
Ele considera que o dia 20 de novembro deve ser não
apenas um dia da consciência negra, mas um dia de debate
contra todos os preconceitos. "Não vamos discutir
só a questão do negro. Eu quero discutir, por
exemplo, a opção sexual, a discriminação
contra a mulher, contra a criança, contra o idoso,
mas a imagem é do Zumbi, que seria o líder da
luta contra os preconceitos", conclui.
LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3
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