Sem
ter o que fazer, pacientes acumulam-se nos pátios.
Mesmo com o frio que fez ontem em alguns locais do país,
usam poucos agasalhos. Alguns, desorientados, andam descalços.
Outros estão amarrados às camas.
O quadro encontrado ontem em fiscalização simultânea
dos conselhos regionais de psicologia em hospitais psiquiátricos
de 17 Estados e do Distrito Federal é muito
semelhante, afirma Ana Luiza Castro, vice-presidente do conselho
federal da classe.
"O que ainda se vê são grandes depósitos,
as pessoas sem atividades, e o uso abusivo de remédios."
A idéia das vistorias simultâneas surgiu depois
da informação da morte recente, supostamente
por estrangulamento, de uma paciente que estava amarrada ao
leito, em Recife. Os conselhos regionais, após reunião,
decidiram procurar também as comissões de Direitos
Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério
Público e representantes das câmaras municipais
para acompanhar as visitas.
"Ampliamos para ver como anda a reforma psiquiátrica",
diz Castro, que participou de fiscalizações
em Porto Alegre.
A partir da promulgação da lei da reforma, em
2001, há a incorporação oficial às
políticas públicas do princípio da internação
como último recurso.
Atualmente, o Ministério da Saúde induz a redução
de leitos pagando menos pelas internações feitas
em grandes hospitais, por exemplo. Mas a pasta reconhece que
há atraso no processo devido a dificuldades para ampliar
recursos extra-hospitalares.
Hoje existem 237 hospitais psiquiátricos no país,
com mais de 48 mil leitos.
"Papai Noel, traz um presente para mim?", perguntou
a paciente A., 35, a Geraldo Peixoto, representante da associação
de familiares Franco Basaglia, durante vistoria do conselho
em um hospital de São Paulo, acompanhada pela Folha.
Peixoto, que tem uma barba branca, riu, disse que sim. "Alta!",
continuou a paciente.
A. é uma das 200 pacientes do Hospital Psiquiátrico
Charcot, na zona sul de São Paulo, escolhido para a
fiscalização por conta de maus desempenhos no
programa de avaliação hospitalar do Ministério
da Saúde. A unidade, que é conveniada ao SUS
(Sistema Único de Saúde), também está
sob investigação do Ministério Público.
Cinco pacientes estavam atados aos leitos, diz o conselho.
O órgão concluiu que os internos não
têm atividades. Além disso, apenas dois psicólogos
atendem os doentes. O hospital informa que são necessários
cinco. "Com certeza seria necessário um número
maior. Mas a verdade é que não deveriam existir
200 pacientes aqui", afirmou Wanda Aguiar, presidente
do conselho de SP.
À Folha, pacientes reclamaram da comida -"não
tem mistura" (carne)-, da falta de papel higiênico,
do frio. As roupas que familiares levam somem, afirmam. "O
remédio joga a gente no chão", disse ainda
um deles.
No Piauí, o conselho regional colheu relatos de pacientes
sobre torturas e mortes supostamente ocorridas durante fugas
-os internos teriam utilizado os canos de esgoto. Na Bahia,
houve resistência das unidades à fiscalização.
Mais de 20 hospitais foram visitados no país -não
houve balanço.
FABIANE LEITE
da Folha de S.Paulo
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