Um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Assistência
Social do Rio de Janeiro com meninos que trabalham nas ruas
da cidade desmonta a tese de que a falta de acesso à
escola é um dos fatores que levam as crianças
para a rua. A pesquisa mostrou que apenas 3,7% das crianças
que trabalham nas ruas das zonas sul e norte da capital fluminense
estão fora da escola.
Os dados foram tirados do cadastro
de projetos que têm como objetivo tirar crianças
do trabalho em sinais de trânsito da cidade e desenvolver
programas de geração de renda para as famílias.
Para fazer o levantamento, os técnicos
confirmaram com as escolas a matrícula de cada criança.
Foi possível, com isso, saber, escola por escola, quantas
crianças estavam realmente matriculadas.
De 380 crianças das zonas sul
e norte que trabalham nas ruas, a secretaria confirmou que
82,6% estão matriculadas em alguma escola. Em 13,7%
dos casos, ainda não foi possível checar se
elas estudam ou não.
O levantamento mostra também
que a atividade de malabarista é a mais comum (32%
das crianças), seguida da de pedinte (8%) e da de vendedor
(8%).
A secretaria fez o cadastro também
de 121 crianças que trabalham no centro do Rio. Não
há dados de freqüência escolar, mas o levantamento
mostra que apenas nove (7,4% do total) delas são analfabetas
ou sem escolaridade.
Número reduzido
Por se tratar de uma população extremamente
diversificada (há crianças que dormem nas ruas
e outras que raramente aparecem nos sinais), a secretaria
não possui um levantamento do total de meninos que
trabalham nas ruas da cidade. O secretário Marcelo
Garcia diz, no entanto, que o número é bem menor
do que o que se especulava na década de 80, quando
algumas entidades chegaram a falar em milhões de crianças
nas ruas no Brasil.
"Se isso fosse verdade, era melhor ter fechado o país.
No Rio de Janeiro, nunca passamos de 1.000 crianças
na rua. Hoje, conseguimos universalizar a educação
a tal ponto que quase todas têm alguma referência
na escola. Elas vão para as ruas em busca de renda.
O desafio agora é universalizar a assistência
social para que não tenham que ir para a rua em busca
de dinheiro", afirma o secretário de Assistência
Social da Prefeitura do Rio.
Para o psicólogo Cláudio de Oliveira, conselheiro
do Conselho Tutelar de Vila Isabel (órgão que
atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes
em nove bairros da zona norte do Rio), a busca das crianças
por renda nas ruas tem motivos variados: "Há desde
casos de exploração infantil até garotos
que estão nas ruas porque querem ter dinheiro para
comprar um tênis de marca que eles viram na TV".
O fato de a maioria dessas crianças estar na escola
mostra que a estratégia de intervenção
do poder público tem que ser muito mais eficiente e
complexa para atacar o problema. Não basta só
dar abrigo (a maioria mora com os pais), comida (há
merenda nas escolas) ou uma atenção qualquer
de um adulto (que elas já recebem no colégio).
Para Antônio de Souza, coordenador da organização
não-governamental (ONG) ExCola -que desde 1989 trabalha
com meninos de rua-, o principal desafio para o poder público
é integrar as ações de diferentes secretarias:
"Há pouca integração das secretarias
de saúde, de assistência social e de educação".
As secretarias de Educação e de Assistência
Social da prefeitura têm tentado trocar informações
sobre esses meninos. Na zona sul, por exemplo, as coordenadorias
das duas pastas responsáveis pela região estão
cruzando os dados de reprovação por freqüência
nas escolas, num trabalho conjunto que deve ser estendido
também para a zona norte.
As coordenadorias, em um trabalho com o Ministério
Público, já chamaram cerca 100 pais de alunos
para cobrar explicações e propor soluções.
Eles assinaram um termo de responsabilidade que informa que,
segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é
dever dos pais mantê-los na escola. O estatuto prevê
punições como multa, advertência, perda
da guarda e, em casos extremos, suspensão do pátrio
poder.
Falta de diálogo
A intenção de integrar as ações,
no entanto, esbarra às vezes na falta de diálogo
entre a direção da escola e os assistentes sociais.
Na Escola Municipal Lúcia Miguel Pereira, em São
Conrado (zona sul do Rio), a diretora, Regina Izidro, afirma
que, lá, não há integração
entre o trabalho das secretarias. A escola atende, em sua
maioria, crianças da Rocinha e, segundo a direção,
há três casos de meninos que trabalham nas ruas
que estão sendo atendidos pela Secretaria Municipal
de Assistência Social.
"Essa interação, infelizmente, não
existe. Nós sabemos que os meninos estão sendo
atendidos pela assistente social, mas não sabemos o
resultado desse atendimento. Temos uma equipe pequena aqui
e não adianta procurar atendimento em outras secretarias
porque o encaminhamento é muito difícil",
diz Izidro.
A assessora-adjunta da 2ª Coordenadoria Regional de
Ensino do Rio, responsável por bairros das zonas sul
e norte, Valéria Boselli, admite que há dificuldades
para integrar diferentes redes de atendimento à criança,
mas diz que as secretarias têm buscado soluções
para esse problema.
"A gente sabe que essa integração não
é feita de um dia para o outro, mas, na zona sul, já
fizemos um trabalho bem-sucedido com alunos faltosos que será
expandido para a zona norte", diz Boselli.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo
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