"Posso
lhe garantir que não sou mais analfabeta. Sei ler e
escrever, mas ainda tenho algumas dificuldades. Já
consigo preencher ficha em banco e faço compras sozinhas
no supermercado". Maria Olindina dos Santos, 57 anos,
ex-aluna do Projeto Sesi - Por um Brasil Alfabetizado, comenta
os benefícios de participar do programa.
O Programa Brasil Alfabetizado, lançado em janeiro
de 2003, foi criado pelo governo federal, que pretende abolir
o analfabetismo no país. Coordenado pelo Ministério
da Educação (MEC), é desenvolvido por
meio de convênios e parcerias para alfabetizar o maior
número de jovens e adultos acima de 15 anos. O ministério
repassa recursos para instituições desenvolverem
as aulas de leitura e escrita.
De acordo com Ricardo Henriques, secretário de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC,
o Programa Brasil Alfabetizado está seguindo dois movimentos:
redesenho e reconceito, pois há uma necessidade em
desvincular a idéia de campanha de alfabetização
para integrá-lo a um conceito de continuidade dos estudos.
E, atualmente, há a preocupação de um
processo de passagem dos alunos alfabetizados pelo programa
para o Ensino Fundamental.
Esse processo complementar trata-se do programa Educação
de Jovens e Adultos (EJA). O governo preocupa-se com o aumento
de articulações dentro do programa de alfabetização,
incentivando a continuidade dos estudos. Assim, o MEC vem
desenvolvendo o Programa Fazendo Escola para apoiar e ampliar
o atendimento de jovens adultos nos sistemas públicos
no ensino fundamental.
O programa Brasil Alfabetizado atingiu cerca de 1,9 milhão
de pessoas nesse ano. A meta para 2005 é 2,2 milhões
pessoas analfabetas. "É importante ressaltar que
estamos abrangendo todos os 27 estados, contando com Distrito
Federal. Temos ainda parcerias com 4230 municípios,
65 organizações não-governamentais e
várias universidades", afirma o secretário.
Segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios,
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2003, cerca de 11,2% da população
brasileira é analfabeta, sendo que 22% são do
Nordeste e 6,5% do Sudeste. A ex-aluna Maria Olindina já
não faz parte desse número, mas chegou a perder
um emprego por ser analfabeta. "Vi uma moça cortando
tecido na loja e falei para ela que estava fazendo errado.
Seu chefe estava ao lado e me convidou para trabalhar com
eles. Não aceitei, porque não era só
cortar o tecido, mas preencher a ficha com as medidas do tecido.
Como faria isso sem saber ler e escrever", conta Maria
Olindina.
"Foi maravilhosa essa experiência e faço
questão de pagar a professora Adijane para terminar
meus estudos. Não quero estudar na rede estadual e
municipal, porque vou ter que estudar com jovens. Eles falam
muita pornografia e bagunçam. Nas aulas de Adijane,
parecíamos todos irmãos e eram todos mais velhos",
afirma Maria Olindina, ex-aluna no estado de Pernambuco.
A alfabetizadora Adijane Gomes da Silva, 35 anos, ingressou
no projeto em abril de 2004 e concluiu sua turma em outubro.
"Achei interessante a proposta de trabalhar com adultos.
O adulto vai nas aulas por interesse. É uma alegria
escutar que eles conseguiram pegar sozinho o ônibus
certo e escrever cartas. Afinal, trabalhar educando pessoas
é a melhor coisa do mundo", conta Adijane.
As instituições conveniadas ao Programa Brasil
Alfabetizado ficam responsáveis pela capacitação
dos alfabetizadores, as inscrições dos alunos
e organização do processo de alfabetização.
Além disso, fornece material didático para os
alfabetizadores e aulas de capacitação inicial
e continuada, que promove diálogo, reflexão
sobre o contexto histórico e conhecimentos das diferentes
funções da linguagem, interpretação
de texto e conhecimentos matemáticos básicos.
Já a formação continuada trata-se da
manutenção da aprendizagem do alfabetizador,
com presença coletiva de, no mínimo, duas horas
semanais.
Para participar do programa, a instituição
precisa ter experiência comprovada na alfabetização
de jovens e adultos e encaminhar projeto de apoio financeiro
ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). O formulário pode ser retirado no site do FNDE.
As instituições têm que apresentar um
método adequado à realidade da comunidade. "O
programa metodológico é bem estruturado. Possui
um eixo teórico em função de princípios
de Paulo Freire, ou seja, há um alinhamento conceitual
e contínuo", fala Eliane Martins, coordenadora
nacional do Projeto Sesi - Por Um Brasil Alfabetizado.
O MEC repassa um piso salarial de R$ 120,00 e mais R$ 7,00
por aluno em sala de aula para os alfabetizadores. As turmas
devem ter, no máximo, 25 alunos com duas horas diárias
de aula, durante seis meses. De acordo com o projeto, cada
etapa trata-se de seis meses de aula, mas pode variar de acordo
com a região.
Segundo Eliane, o Sesi pretende atender cerca de 600 mil
jovens e adultos nos dois semestres do ano. Em 2004, cada
etapa atingiu cerca de 300 mil alunos. A região Nordeste
é o local com maior demanda. Por exemplo, o Maranhão
já possui, aproximadamente, 30 mil inscritos para o
programa; 40 mil Ceará; 28 mil Pernambuco; 40 mil Piauí
e 25 mil Rio de Janeiro. A faixa etária varia também,
pois segue o perfil de cada estado. O Rio de Janeiro apresenta
predomínio de jovens entre 20 a 30 anos. Enquanto isso,
em alguns estados do Nordeste há uma concentração
de alunos acima 40 anos.
Cada estado e município seguem uma metodologia e
prazo de inscrição. Alguns estados já
fecharam turma para o próximo ano, mas recomenda-se
que os interessados se informem nas unidades do Sesi mais
próxima. As aulas são adequadas aos alunos,
já que muitos trabalham e moram na zona rural. Lugares
como galpão de fábrica, centros espíritas,
igrejas, lojas, sindicatos e penitenciárias, se tornam
salas de aula.
Nesse ano, o projeto Sesi - Por um Brasil Alfabetizado atendeu
cerca de 600 municípios, enquanto para o próximo
ano o número passou para 750. "Hoje em dia, as
pessoas têm um nível de consciência maior
sobre a necessidade da educação para melhorar
a qualidade de vida e inclusão social. É um
resgate social. O programa dá uma injeção
de ânimo aos órgãos públicos -
principalmente, as escolas - para receber os jovens e adultos
alfabetizados", conta Eliane.
A coordenadora estadual do projeto do Sesi, Maria Luíza
Cavalcante, do Estado da Paraíba, contou que cerca
de 1034 professores atenderam 22 mil alunos distribuídos
em 109 municípios. Já tem uma turma de 8.991
alfabetizandos para começar suas aulas em janeiro de
2005, mas ainda há tempo para se inscrever. "Segundo
os depoimentos de alunos, o programa teve um resultado positivo,
pois há uma preocupação da supervisão
do aluno e encaminhamento para continuidade nos estudos em
escolas municipais", afirma Maria.
Já a coordenadora do em Pernambuco, Jeane Carneiro
Costa, falou que o programa atingiu, aproximadamente, 27.424
alunos em 66 municípios, referentes a duas etapas.
Até agora há 28 mil alunos inscritos para estudar
no próximo ano, mas a coordenadoria pretende chegar
aos 30 mil. "O programa tem uma grande importância,
mas encontramos dificuldades em chegar a todos os analfabetos
de Pernambuco, pois os 16 centros de Sesis estão espalhados
na zona urbana e grande maioria do público-alvo residem
na zona rural. Assim, precisamos improvisar salas de aula
próximo ao aluno, como igrejas da comunidade, ONGs
e outros locais".
Maria Conceição de Moura foi supervisora nos
municípios de Camaragibe, Recife e Jaboatão
dos Guararapes (PE). De acordo com Maria Conceição,
o supervisor tem que ter curso superior em educação;
experiência em supervisão de aulas e passar por
uma capacitação como os alfabetizadores. A capacitação
consiste em quatro dias iniciais de aulas sobre alfabetização
e sobre como acompanhar o programa, auxiliando tanto o professor
quanto aluno. "Não cuidamos apenas da parte pedagógica,
mas também participamos de reuniões mensais
para discutir a qualidade das aulas, a freqüência
do aluno e verificar o motivo de evasão do aluno".
Para a ex-alfabetizadora Roberta Samara Brasileiro Martins,
o programa acaba formando analfabetos funcionais, porque é
pouco tempo para aprender a ler e escrever. Geralmente, esses
alunos lêem pouco, copiam textos e não conseguem
desenvolver textos. "Sempre digo que o mais importante
não é saber ler e escrever direito, mas entender
todo o processo de alfabetização e sua importância
para o cotidiano".
"Sempre trabalhei em educação para crianças.
Tinha curiosidade para ver como era com os jovens e adultos.
Foi uma experiência muito boa, pois o adulto é
mais interessado e já tem um conhecimento básico.
Por isso, eles cobravam a cada dia uma coisa diferente para
aprender. Cada um quer estudar uma coisa diferente e você
acaba lidando com todas as disciplinas", conta Roberta.
A ex-aluna de Roberta, Maria de Jesus dos Santos, 64 anos,
acha que deveria ser mais longa cada etapa do programa para
os alunos se desenvolverem mais. "Antes ficava decepcionada
em não poder assinar a correspondência e morria
de vontade de acompanhar os hinos da Igreja. Agora vou devagar,
mas consigo fazer minhas coisas", conta.
SUSANA SARMIENTO
do site Setor3
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