Na plataforma de lançamento
e numa encruzilhada. As duas expressões servem para
definir, respectivamente, as perspectivas para a economia
brasileira e as condições políticas que
o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá
pela frente. Ambos no ano de 2004.
Não há analista ou instituição
de análises econômicas e de risco financeiro
que não esteja prevendo, a começar pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI), 366 dias de boas graças
para o Brasil, depois de um delicado 2003.
Calcula-se que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro saltará
de um crescimento de cerca de 0,5% nos primeiros meses do
governo liderado pelo Partido dos
Trabalhadores para algo em torno de 3,5% a 4% no ano que
está entrando no ar.
Muitos especialistas, insuspeitos de ligação
com o governismo, como o economista José Júlio
Sena, ex-dirigente do Banco Central, estão convencidos
de que o Brasil está novamente diante uma oportunidade
histórica de entrar num processo de desenvolvimento
sustentado.
A mais recente, perdida por razões internar e constrangimentos
externos, deu-se nos primeiros meses do Plano Real e no primeiro
ano do mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
'Há combustível'
Algumas condições macroeconômicas
estão dadas, após um ano de eficiente ajuste
fiscal comandado pelo ministro Antônio Palocci e equipe
do Banco Central.
A inflação está domada, com previsões
de fechar 2004 próxima dos 5%. No início do
governo Lula esteve perto de alçar vôo.
A balança comercial chega a 31 de dezembro com um
superávit de US$ 23,5 bilhões, o melhor da vida
econômica brasileira.
As previsões para 2004 falam num resultado positivo
menor, algo em torno de US$ 16 bilhões, ainda assim
ótimo.
A confiança externa está quase totalmente recuperada,
faltando apenas a retomada dos investimentos estrangeiros.
Há combustível, portanto, para lançar
o foguete.
Obstáculos
Do ponto de vista econômico, porém, alguns obstáculos,
não de todo instransponíveis, podem nublar esse
horizonte. Talvez nem tanto para 2004, mas para os anos seguintes.
A recuperação do emprego ainda não apontou
no horizonte e a renda média do trabalhador assalariado
está 25% menor do que era em 1998, o que estreita o
mercado consumidor interno.
Embora os juros reais tenham começado a cair em boa
velocidade no último quadrimestre, ainda passarão
2004 bem acima da média mundial. Com isso, a relação
dívida/PIB, permanecerá elevada – possivelmente
57% do PIB –, o que deixa ressabiados os investidores
privados.
A carga tributária elevadíssima do PIB (36,5%)
pode se elevar ainda mais com as concessões feitas
na reforma tributária.
A capacidade de investimento da economia continua baixa (menos
de 18% do PIB) e incertezas no sistema regulatório
não animam quem tem capital.
Há gargalos previsíveis de médio e longo
prazos na infra-estrutura de transportes e energia elétrica,
dependendo desses investidores para serem superados.
Equação política
A possibilidade de superá-los, no entanto, está
na dependência de uma equação política.
Por isso a encruzilhada antevista.
O calendário político merca uma eleição
municipal para 2004, vista como ante-sala da sucessão
presidencial de 2006. O PT e os aliados jogam nesses votos
parte de seus planos para a reeleição de Lula.
As pressões para que o ministro da Fazenda afrouxe
as rédeas da política monetária e fiscal
estão batem as portas do gabinete presidencial.
Algum tipo de afrouxamento é possível e necessário,
dizem críticos e especialistas à direita e à
esquerda. É uma questão de dosagem.
Palocci tem dito que não abrirá aleatoriamente
as torneiras. Chegou a avisar os petistas que, se depender
dele o superávit primário das contas públicas
de 4,25%, acertado com o FMI, durará pelo menos dez.
Um recado e uma defesa de quem sabe que, no Brasil, as conveniências
políticas costumam ter razões que a própria
razão desconhece.
O presidente Lula garante que está livre de tais tentações.
É o desafio.
JOSÉ MARCIO MENDONÇA
especial para a BBC Brasil
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