A lousa,
o caderno, o lápis e a borracha, tão comuns
à sala de aula, não é de hoje convivem
com o porte de armas, a atuação de gangues e
do tráfico de drogas, o furto e a agressão física
e verbal.
"Violência contra o professor é a coisa
mais comum que há em escolas. Todos têm uma história
para contar", diz o professor de geografia do ensino
fundamental e médio João (todos os nomes de
professores são fictícios), 38.
O depoimento de João ilustra bem o resultado de um
estudo inédito da Unesco (órgão das Nações
Unidas para educação e cultura). Intitulada
Pesquisa de Vitimização, o estudo entrevistou,
em 2003, 2.400 profissionais de seis capitais brasileiras
(São Paulo, Rio, Salvador, Porto Alegre, Belém
e Distrito Federal) e apontou que 86% deles admitem haver
violência em seu local de trabalho.
Segundo a pesquisa, mais de 50% dos professores afirmam haver
casos de furtos nas escolas onde trabalham. Um em cada dez
conhece casos de gangues e de traficantes atuando nas instituições.
E 30% já viram algum tipo de arma nas mãos de
seus alunos.
Adriana, 36, foi ameaçada por um aluno que fumava maconha
dentro da sala e que afirmou conhecer sua casa. Artur, 30,
foi assaltado no estacionamento do próprio colégio
por alunos encapuzados. João mesmo tem as suas histórias:
foi ameaçado de morte. Há um ano, quando alunos
começaram a levar bebidas alcoólicas para a
aula, ele resolveu chamar a atenção de um garoto.
"Ele não gostou e quis crescer diante dos colegas
me ameaçando. Disse: "Aqui dentro, o senhor pode
mandar. Mas, lá fora, o senhor pode até perder
a cabeça. Alguém pode cortar ela fora'",
conta.
Adriana, professora de português concursada há
dez anos, conta ter tirado duas licenças, alegando
motivos médicos, por conta de violência sofrida
na escola.
O terror é tanto que nenhum quis ser identificado.
Segundo Juçara Dutra Vieira, 54, presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação, a lei
do silêncio predomina entre profissionais que trabalham
em escolas em áreas de tráfico de drogas.
"A violência conseguiu impor a sua lei do silêncio",
explica Miriam Abramovay, coordenadora da pesquisa da Unesco.
A evidência está nos dados: 53,2% dizem "não
saber" se gangues atuam na escola e 61,2% afirmam "não
saber" se ali há tráfico de drogas. "O
pânico é tamanho que fica mais fácil fingir
que não há nada acontecendo", diz. "Todo
o problema do fracasso escolar vem não só da
qualidade do ensino mas também daquilo que ocorre no
cotidiano escolar", diz. "A escola não funciona.
E não está organizada nem preparada para receber
a população que passou a freqüentá-la
com a democratização do ensino", afirma
Abramovay. Para ela, a violência aumentou à medida
que o ensino se democratizou e a escola de hoje não
tem mecanismos de resolução de conflitos.
Para a educadora Elvira de Sousa Lima, que trabalha com professores
na área de déficit de aprendizagem, os profissionais
que lecionam em regiões como a das favelas, no Rio,
já estão tão acostumados com a rotina
que não atrapalha o fazer pedagógico. "Eles
convivem com tiroteios e mortes e trabalham questões
como respeito, tolerância e solidariedade."
A pesquisa detectou uma grande banalização da
violência, especialmente na rede pública. "Tudo
parece fazer parte do cotidiano. A escola vira espaço
de ninguém."
FERNANDA MENA
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
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