Todos de pé para o início
da sessão. "Play" na melodia do Hino Nacional.
Logo na primeira estrofe, a fita engasgou e a melodia sumiu,
mas os 55 moradores de rua que ocupavam as cadeiras dos vereadores
de São Paulo elevaram a voz e prosseguiram, verso a
verso e em coro, a cantar à capela.
Foi assim, ontem no plenário da Câmara Municipal
de São Paulo, o início do ato público
em solidariedade às vítimas dos ataques a pessoas
em situação de rua.
A sessão, organizada pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara, foi presidida pelo morador de rua
Ciro Susumo, que chamou outros colegas para falar na tribuna
do plenário da Casa.
Alguns mais envergonhados, outros despachados, eles foram,
um a um, à Mesa Diretora.
"Só albergue não serve para nós.
Queremos dignidade e soluções", bradou
um em camisa social.
"Hoje, estamos dando um novo passo rumo à cidadania",
comemorou ao microfone do plenário Renato Sena, 39.
"Acordamos para a participação social",
disse ele.
A Mesa Diretora foi composta também pelo padre Júlio
Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, pela pastora Mabel
Garcia, da Associação Evangélica Beneficente,
e pelos vereadores Lucila Pizani Gonçalves (PT), Alcides
Amazonas (PC do B), Flávia Pereira (PT) e Beto Custódio
(PT).
A sessão também foi acompanhada pelo presidente
da Casa, o vereador Arselino Tatto (PT), e pelo vereador Erasmo
Dias (PP), que, quando falou do atendimento ao morador de
rua de 30 anos atrás, época em que foi secretário
da Segurança Pública, foi vaiado ao usar a palavra
mendigo.
"Os mendigos eram abordados pela polícia, levados
para um abrigo e tinham de tomar banho com neocid [inseticida]",
contou Dias. "Depois, os policiais diziam que, se o sujeito
fosse encontrado outra vez, seria autuado por vadiagem e detido
por 30 dias."
Da platéia, veio um grito: "A ditadura nunca defendeu
os direitos humanos. Aqui é a casa do povo, hoje é
o nosso dia e estamos de luto. O senhor nos respeite!"
Dias retrucou: "Retiro-me constrangido e humilhado. Não
posso aceitar ser vaiado aqui". E veio a grande vaia.
"Que Deus os perdoe", completou o deputado. E a
platéia, em coro: "Amém!".
Os moradores de rua votaram propostas de concessão
de 80 vagas em locação social e de 200 bolsas-aluguel.
Eles pediram mais vagas para famílias em albergues
e em moradias provisórias.
Pediram ainda o atendimento em repúblicas terapêuticas
para doentes mentais e acesso às Unidades Básicas
de Saúde.
Propuseram a abertura de mais frentes de trabalho e que as
empresas que prestam serviços para a prefeitura destinem
5% de suas vagas para eles. Também pediram para que
possam tomar banho em banheiros públicos.
O presidente da Casa disse que todas as propostas apresentadas
eram "perfeitamente factíveis" e que elas
seriam analisadas durante a votação do Orçamento.
FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo
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