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04/08/2006
Carta da semana
Para aqueles que ainda podem pensar
em estrelas e galáxias
“Meus caros amigos e colegas,
eu já vivi em paz com vocês, eu já morei
em um lugar seguro longe do Líbano. Eu incito você
agora, eu chamo você para agir de alguma forma, através
de manifestos ou protestos. Aqui, nós precisamos de sua
ajuda; a única esperança para o cessar fogo é
a pressão da comunidade internacional sobre seus governantes.
Eu incito você a agir contra a guerra no Líbano
por duas razões.
A primeira razão é salvar a desastrosa situação
humanitária, e a segunda razão é lutar
por menos violência em todo o mundo. A guerra aqui não
é entre Líbano e Israel como deve parecer para
você, a guerra ocorre apenas em solo libanês. Tornou-se
uma guerra direta entre as ideologias islâmicas e a política
americana-israelense no Oriente Médio. Mais violência
por parte do lado israelense levando a mais mortes e mais sangue
no Líbano, só trará mais extremismo em
todo o mundo árabe. Nós temos visto a conseqüência
dessa violência nos eventos de 11 de setembro. Não
queremos mais desses eventos, assim não queremos mais
bombas sobre nossas crianças e casas.
Há 30 anos, nós vivemos pelo menos seis guerras,
eu me lembro de três delas. Não tenho certeza se
suportaremos mais. Esta guerra não está destruindo
o Hezbollah como tem sido comentado, ela está destruindo
um país que era cheio de vida, alegria e beleza humana.
Meu país não parece mais um país. O que
está acontecendo aqui é um real desastre. Em média,
são mortas 40 pessoas por dia (600 em 15 dias), das quais
90% são civis e 45% crianças. Na média
120 pessoas são feridas por dia. É pior que no
Iraque e na Palestina. Chovem toneladas de bombas do céu
no sul do Líbano, sul de Beirute e em nosso querido vale
de Bekaa, praticamente mais de 30% da superfície do Líbano.
Se isso parece dramático para você, eu posso dizer
que isso não é a real catástrofe. Aqui,
vivemos a real catástrofe humanitária. Para aqueles
que nunca estiveram aqui, o Líbano é um país
muito, mas muito pequeno, com menos de quatro milhões
de habitantes. Pelo menos meio milhão saiu do país,
se não foi muito mais. As pessoas capazes de sobreviver
todas as guerras anteriores perderam seu tempo. Quantas vezes
teremos que reconstruir nossas casas demolidas? E nossos sonhos,
como ficam?
Cerca de 700 milhares de libaneses são imigrantes em
seu próprio país, ficando em escolas ou locais
públicos, jardins. A maioria dessas pessoas perdeu suas
casas, mais de 50.000 apartamentos foram literalmente destruídos.
Essas pessoas não têm nenhum lugar para ficar mesmo
depois do fim da guerra, se acabar. Vamos esquecer a infra-estrutura
destruída e a miserável situação
econômica. O que é assustadora é a situação
humanitária dessas pessoas, com quase nenhuma higiene,
e para muitas delas, sem água limpa e comida suficiente.
Novas doenças começarão em breve. A situação
mais desastrosa é para as pessoas que ainda estão
no sul. Existem vilas remotas que têm sido mantidas completamente
isoladas de qualquer outro lugar habitado. Estradas foram interrompidas,
eletricidade e bombas d’água foram destruídas,
combustível está faltando e, claro, comida se
existe, vai faltar. Para essas vilas, não existe rota,
nem veículos de emergência podem entrar. Mais de
uma vez, veículos da Cruz Vermelha Libanesa foram bombardeados,
assim como ambulâncias, veículos dos bombeiros,
e mesmo caminhões com remédios e comida, e carros
com civis fugindo, sempre com a justificativa da luta contra
o Hezbollah.
Meus caros amigos e colegas, eu já vivi em paz com vocês,
eu já morei em um lugar seguro. Eu incito você
agora, eu chamo você para agir de alguma forma. Para aqueles
que ainda podem pensar em estrelas e galáxias e para
aqueles que aproveitam a vida diária normal, dê-nos
alguns momentos e pense que você pode salvar uma criança”,
Nelly, texto enviado pela leitora
Simone Freitas - simonerfreitas@yahoo.com.br
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