O advogado Denis Mizne encontrou
um pedaço de Nova York no Jardim Ângela, bairro
da zona sul de São Paulo que se notabilizou por ser
um dos locais mais violentos do Brasil. Os dois cenários,
tão distantes e diferentes, tornaram-se, na sua visão,
experiências parecidas.
Em 1999, nunca tanta gente tinha morrido assassinada em toda
a história de São Paulo. Foi quando Denis, recém-formado
na Faculdade de Direito do largo São Francisco, deixou
a cidade para estudar direitos humanos na Universidade Columbia,
em Nova York. "As duas cidades viviam climas radicalmente
diferentes. Em Nova York, a euforia. Em São Paulo,
o desespero." Nova York batia sucessivos recordes de
queda nos índices de criminalidade.
De volta ao Brasil, Denis participou, com um grupo de colegas
da São Francisco, da criação de uma entidade
que foi batizada de Sou da Paz, cujo objetivo era combater
a violência. "Cheguei de Nova York com a sensação
de que esse esforço poderia dar certo." Em 1997,
ele, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, já
participara do lançamento de uma campanha pelo desarmamento.
"Naquele ano, ficamos impressionados com uma pesquisa
do Datafolha que informava que a violência tinha ultrapassado
o desemprego na escala de preocupações do paulistano."
O Sou da Paz, instituto do qual se tornou diretor-executivo,
foi convidado a participar de uma articulação
no Jardim Ângela, bairro considerado um dos ícones
da selvageria em São Paulo. Uniram-se, então,
os mais diferentes parceiros na comunidade: poder público,
escolas, centros de saúde, religiosos. Montaram-se
programas educacionais para crianças e jovens: a Universidade
Federal de São Paulo, por exemplo, ofereceu serviços
de prevenção ao consumo de álcool e drogas.
Montou-se também um projeto experimental de policiamento
comunitário.
Resultado: de 2001 até o ano passado, a taxa de homicídios
caiu, ali, 54%. Nova York entrou no noticiário mundial
quando, em 1995, essa mesma taxa atingiu os 37%. A mobilização
do Jardim Ângela é um dos fatores, entre tantos,
que ajudam a explicar por que o número de assassinatos
não pára de cair em São Paulo, a ponto
de ter merecido, na semana passada, o reconhecimento da Unesco.
"O que há de comum em Nova York e no Jardim Ângela
é o fato de que o envolvimento da comunidade com o
setor público, prevenindo a violência e abrindo
espaços para crianças e jovens, funciona."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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