A principal
razão para Piracicaba tornar-se um pólo mundial
do etanol resume-se em uma palavra: educação
Contabilizando o trabalho formal e informal, economistas descobriram
que o índice de desemprego de Piracicaba, no interior
de São Paulo, é de 6% negativos. Há,
portanto, vagas de sobra. O problema local é o inverso
da tragédia brasileira: encontrar mão-de-obra,
mesmo a mais desqualificada.
Elaborada pela Universidade Metodista de Piracicaba, essa
estatística traduz-se na corrida de empresários
-nem sempre bem-sucedida- que buscam importar cortadores de
cana, torneiros, soldadores, caldeireiros ou engenheiros químicos.
Em nenhum outro lugar, como naquela cidade, existe uma cadeia
produtiva tão completa em torno do álcool, na
qual se oferecem das pesquisas mais sofisticadas de variedades
de cana até a produção de máquinas
para as usinas.
Já se sabe a importância de Piracicaba, com 315
mil habitantes, para o desenvolvimento do etanol, tema de
seminário que, realizado na semana passada, foi acompanhado
por alguns dos mais importantes investidores do mundo à
procura de novos negócios.
Entre as cifras bilionárias, porém, há
uma experiência iniciando-se na cidade, que, ainda desconhecida,
é uma inovação tão valiosa como
a descoberta genética de sementes ou a criação
de produtos biodegradáveis -é capaz de influenciar
gestões públicas em todo o país para
a geração de emprego.
A principal razão para Piracicaba tornar-se um dos
pólos mundiais de inovação de etanol
resume-se numa única palavra: educação.
A cidade é a sede de uma centenária escola de
agronomia, a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz), e de um núcleo de pesquisa, o CTC (Centro
de Tecnologia Canavieira), dois ambientes em que se formaram
engenheiros e administradores que iriam fazer descobertas
científicas e tocar os empreendimentos.
É um fenômeno semelhante ao do ITA (Instituto
Tecnológico de Aeronáutica), que fez de São
José dos Campos um pólo aeronáutico,
e ao do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações),
que fez de Santa Rita de Sapucaí um núcleo de
telecomunicação (o arranjo mais famoso, como
se sabe, é o do Vale do Silício, na Califórnia).
Em 2005, a prefeitura avaliou que, apesar da vantagem competitiva,
a cidade estava ameaçada de perder espaço e
lançou o Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool).
"Para o álcool ficar mais importante, é
necessário que se transforme num produto aceito mundialmente",
diz o secretário da Indústria e Comércio
de Piracicaba, o empresário Luciano Almeida, com pós-graduação
em administração em Berkeley, nos Estados Unidos.
Montou-se, a partir dessa visão, um arranjo não
só para aprimorar a pesquisa, formar mão-de-obra
e melhorar a qualidade do produto mas também para conseguir
disseminar o etanol pelo mundo. O primeiro passo foi colocar
os empresários, muitos dos quais concorrentes entre
si, trabalhando juntos.
Entraram nessa rede a Apex (Agência de Promoção
de Exportações e Investimentos), o IPT (Instituto
de Pesquisas Tecnológicas) e a Finep (Financiadora
de Estudos e Projetos). O Centro Paula Souza, do governo estadual,
ofereceu uma escola técnica voltada para a indústria
do álcool e entendimento para abrir um curso de ensino
superior focado na biomassa. Em parceria com os sindicatos,
o Ministério do Trabalho está ajudando a treinar
cortadores de cana para tentar evitar acidentes.
Note-se que, praticamente, tudo estava ali. O papel da prefeitura
foi o de ser um indutor desses acertos. Um deles, por exemplo,
é uma incubadora para a criação de novas
empresas, que envolve entidades como o Sebrae, além
de uma universidade.
Decidiu-se criar um parque tecnológico, em 400 mil
metros quadrados, para se desenvolverem, entre outras coisas,
pesquisas e empresas que fabricam novos produtos com cana:
remédios, alimentos e plásticos. É a
alcoolquímica substituindo os sujos derivados de petróleo.
O projeto nem bem saiu do papel e uma grande empresa petrolífera
(Total), interessada em biocombustíveis, já
mandou avisar que quer participar dele -duas universidades
públicas também informaram que vão entrar
no parque. Monta-se, assim, mais uma possibilidade de empregos,
mantendo o círculo virtuoso do conhecimento.
Esse arranjo produtivo local ainda está engatinhando.
Não se pode ainda fazer uma avaliação.
Certamente o esforço ficará comprometido caso
não se traduza na melhoria dos demais equipamentos
sociais da cidade -a começar, é claro, da educação
formal- e nos avanços das condições de
vida dos trabalhadores, especialmente os cortadores de cana,
para quem a modernidade ainda não chegou e, aliás,
parece ter permanecido no século 17.
Além das tecnológicas, está em discussão
o papel contemporâneo do gestor municipal. A eficácia
das políticas públicas, como sugere a experiência
de Piracicaba, depende, em larga medida, de que o prefeito
abandone um olhar provinciano e seja o principal articulador
de redes, influenciando até na geração
de renda -isso é o que significa também a inusual
estatística de desemprego de 6% negativos.
PS - Coloquei no site
mais detalhes da experiência de Piracicaba, especialmente
sobre o arranjo produtivo em torno do etanol.
Coluna originalmente publicada na
Folha de São Paulo, editoria Cotidiano.
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