A Daslu não me seduz por
quatro motivos:
1)Não compro roupas de grife estrangeira - aliás,
nem brasileira, que, por não fazerem meu gênero,
são um desperdício de dinheiro.
2)Não gosto do ambiente claustrofóbico de um
shopping center; ainda mais repleto de peruas.
3)Não pago R$ 30 pela primeira hora de estacionamento.
4)Não gosto de sair, sem um bom motivo, da Vila Madalena,
onde moro e encontro quase tudo de que preciso nas lojas de
rua, muitas das quais a poucos metros de um simpático
café. Ou de alguém com uma história interessante
para contar.
Feitas essas ressalvas, considero a Daslu um bom negócio
para a cidade: cria empregos e impostos, além de aumentar
a oferta de serviços sofisticados. Não considero
suas proprietárias peruas fúteis, mas gente
empreendedora que investe em produção num país
que desestimula os empreendedores.
As melhores cidades do planeta são aquelas que atendem
a todas as tribos: boêmios, homossexuais, religiosos,
punks, artistas, empresários, socialites, homens de
negócios e intelectuais. Atende pessoas interessadas
em andar pela Vila Madalena, com roupas artesanais, e milionárias,
deslumbradas, dispostas a pagar milhares de reais por um vestidinho.
Não é um simples negócio. É uma
tradução do que há de pior e de melhor
em São Paulo ao mostrar, lado a lado, a desigualdade
extrema - a loja é vizinha de uma favela que fica em
frente a um esgoto a céu aberto (o rio Pinheiros)-
e a evolução de seu capital humano.
Em meio ao caos urbano, violência e desigualdade, São
Paulo está cada vez mais sofisticada. Quem não
entender essa dualidade não entende a lógica
paulistana.
Na mesma semana em que a cidade conheceu a sua mais sofisticada
loja, também conheceu a sua mais sofisticada experiência
social.
Divulgaram-se oficialmente, na quinta-feira de manhã,
números sobre a queda de homicídios no distrito
de Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, apontado
pela ONU como a região mais violenta do mundo. É
um complexo design comunitário.
Comparando-se de janeiro a junho de 2001 ao mesmo período
deste ano, a taxa de assassinatos caiu, no distrito, 73%.
E continua a cair. Os números estão chamando
a atenção de especialistas internacionais em
segurança pública.
Um dos sinais da recuperação do distrito, além
das estatísticas, foi a recente inauguração
das Casas Bahia, possível depois da redução
da selvageria. A intensidade do impacto local só é
comparável ao da Daslu para os jardins.
Evidentemente o sucesso do Jardim Ângela, com sua complexa
articulação de poder público e comunidade,
é infinitamente mais difícil do que montar uma
playground para endinheirados.
Mas, tanto a operação para instalar as Casas
Bahia no Jardim Ângela como a Daslu na Vila Olímpia
traduzem o requinte do capital humano de São Paulo.
Quem não vê a cidade apenas por clichês
observa uma monumental efervescência. Neste mês,
por exemplo, começa o São Paulo Fashion Week,
que tem ajudado a projetar mundialmente o design da moda brasileira.
Está em exibição a Casa Cor, mais uma
amostra do talento do design nacional.
Os melhores hospitais da cidade oferecem cursos de pós-graduação,
em parceria com centros internacionais. Agências de
publicidade abocanham os mais cobiçados prêmios
internacionais.
Aumenta a oferta das mais diferentes especialidades universitárias,
a começar dos programas para aperfeiçoamento
de administração. Uma faculdade criou um MBA
apenas para gerenciamento de grifes de luxo.
Há cada vez mais teatros, cinemas, museus e centros
culturais.
Faculdades oferecem cursos para formação de
executivos especialmente em gestão de programas sociais,
em parceria com as melhores universidades dos Estados Unidos
e da Europa. É, afinal, um bom mercado. Na semana passada,
num encontro do Instituto Ethos, cuja missão é
disseminar o conceito de responsabilidade empresarial, executivos
das mais importantes empresas instaladas no Brasil se reuniram
para aprender a desenvolver ações comunitárias.
Dentro e fora do governo, formam-se lideranças e gestores
com conhecimentos em políticas sociais, que aprendem
como trabalhar em cima de indicadores e normas da boa administração.
Não são apenas amadores e gente bem-intencionada,
mas técnicos.
Disseminam-se associações de rua e de bairro,
entidades de defesa de direitos humanos, do ambiente, da educação
pública, da saúde, e assim por diante.
Nesse contexto de ebulição do capital humano,
faz sentido o que, à primeira vista, uma aparente contradição.
Numa mesma semana, uma Daslu e um Jardim Ângela, com
suas orgulhosas Casas Bahia, atraíram atenção
internacional e representam o que há de pior e melhor
numa comunidade.
PS- Podem escrever: com a redução de 73% no
índice de assassinatos em tão pouco tempo e
pela articulação de tantas e tão diversas
parcerias - e tamanhas adversidades- o Jardim Ângela
vai ter, nas políticas sociais para as metrópoles,
o impacto que Curitiba exerce nas questões urbanas.
O modelo das roupas da Daslu evapora, mas o do Jardim Ângela
é para sempre.
Colunas originalmente publicadas
na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano
|